O tempo largo para a direita, o tempo estreito para a esquerda

Há um bordão muito comum, inclusive entre analistas econômicos, que se repete sempre que críticas são feitas ao modelo atual do capitalismo financeiro. Não tendo como responder às críticas, os áulicos imediatamente usamo bordão: qual é a outra saída? Qual é modelo que “vocês” propões?

A perguntas desse tipo, penso que temos uma resposta mais ou menos óbiva: deem-nos o mesmo tempo que tiveram para chegarem onde chegaram que poderíamos construir outros caminhos de relações sociais mais equânimes e mais humanas. Sem criar os fossos que caracterizam o modelo a que os quinhentos anos de capitalismo chegou: um capitalismo virtual, de valores virtuais, sem lastro na economia real, em que lucros são registros contábeis sem correlação com o capital físico e em que a especulação financeira se sobrepõe à produção de bens, uma das bandeiras do velho capitalismo ultrapassado pelo “anti-modelo” neoliberal.

Acontece que aqueles mesmos que tiveram este tempo todo para construir o regime de exclusão que nos assola, querem respostas prontas como se o próprio neoliberalismo não tivesse história, tivesse surgido pronto e implantado sem passado. Que não tem futuro, todos sabemos – as bolhas estouram. Se na crise de 2007/2008 foram os derivativos das hipotecas, a próxima, dizem, será dos derivativos dos financiamentos educacionais. Porque os banqueiros não se emendam: continuam querendo registrar lucros sobre lucros. Todos já naturalizamos que devemos pagar para a manutenção de nossas contas nos bancos, ao mesmo tempo que sabemos que os bancos recebem nosso dinheiro, fazem negócios com nosso dinheiro, lucram com nosso dinheiro. E ainda cobram para ter nosso dinheiro que sustenta seus negócios. Fui bancário há muitos anos. Lembro-me dos fechamentos de balanços em que ficávamos – não existiam registros por computador ainda – dias seguidos calculando os juros que eram pagos aos correntistas, isto é, aqueles que tinham conta corrente. O banco paga juros, baixos é verdade, mas pagava. Hoje cobra mensalidades, anuidades e também o ar que você respira quando entra dentro da agência para fazer um saque no caixa eletrônico.

Pois este modelo financiasta do capitalismo foi sendo construido dentro do próprio capitalismo e é pois seu caudatário. O neoliberalismo como consciência explícita de um modelo pode ser recente, mas sua construção se fez no longo tempo, ao contrário do tempo que seus áulicos hoje querem conceder a outras vias de construção social.

É particularmente interessante que este bordão acaba sendo o modo de reação política da grande massa popular. Concedem 4 ou 8 anos a políticos de esquerda que, assumindo o poder, têm que negociar passo a passo qualquer implementação de programa que façam uma pequena curva no modelo concentrador de renda, como o Bolsa Família, o FIES, o Prouni, etc ou programas como ciclovias e melhoria dos transportes públicos com corredores de ônibus em São Paulo, e já a grande maioria começa a se cansar porque esperava soluções imediatas e um mundo novo da noite para o dia. E não há passe de mágica, particularmente porque eleições não são revoluções, mas processos de avanços da democracia e da aprendizagem da submissão à vontade da maioria (ainda que Aécios et caterva não aceitem resultados, e produzam golpes parlamentares para assumirem o poder). 

Mas este não é um fenômeno apenas nacional. Nas eleições espanholas podemos comprovar o mesmo fenômeno: o PODEMOS e a Esquerda Unida perderam mais de 1,2 milhões votos em relação à eleição anteior. Em Portugal se sucedem governos de partidos de direita, seguidos de partidos de esquerda. Na França ocorre a mesma coisa, com um crescimento contemporâneo de extrema direita, de M. La Pen.

Parece que este troca-troca de perspectivas ideológicos responde muito mais a uma impaciência e pressa nas mudanças do que a uma posição política assumida pela população. Esta impaciência, no entanto, sempre tem beneficiado as perspectivas de direita, como se pode ver na maior cidade brasileira. A um curto período de governo de esquerda (Erundina), para mais tarde assumir Marta Suplicy, que todos sabemos nada tem de esquerda mas estava num partido mais comprometido com a esquerda. Depois, uma sequência de governos de direita que sempre conseguem apresentar-se como alternativas salvadoras, para que tudo permaneça como está. Certamente as eleições municipais deste ano mais uma vez repetirão o mesmo figurino: para a esquerda quatro anos, para a direita 12, 16 anos. E quando a esquerda assume, se quer que ela resolva tudo o que a direita não resolveu nos muitos anos de governo. É como se apresenta do Sr. Delfim Neto na mídia, a ensinar o que deve ser feito… esquecendo todos que ele foi um signatário do AI-5 e maquiou criminosamente dados econômicos. Mas ele, sendo da direita, não comete crimes de responsabilidade, como todos sabemos. 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.