O relógio, de Carlos Drummond de Andrade

Nenhum igual àquele.

 

A hora no bolso do colete é furtiva,

a hora na parede da sala é calma,

a hora na incidência da luz é silenciosa.

 

Mas a hora no relógio da Matriz é grave

como a consciência.

 

E repete. Repete.

 

Impossível dormir, se não a escuto.

Ficar acordado, sem sua batida.

Existir, se ela emudece.

 

Cada hora é fixada no ar, na alma,

continua soando na surdez.

Onde não há mais ninguém, ela chega e avisa

varando o pedregal da noite.

 

Som para ser ouvido no longilonge

do tempo da vida.

Imenso

no pulso

este relógio vai comigo.

(Suplemento à 5ª. edição. Antologia poética. RJ : Record, 40ª. ed, 1998)

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.