Corria uma investigação da Corregedoria da Universidade Federal de Santa Catarina a propósito da aplicação de verbas para a Educação à Distância (80 milhões). E na investigação, como é salutar em toda investigação, aqueles responsáveis pela gestão apresentavam sua argumentação, contraponto necessário a qualquer investigação (exceto para a lava jato e seus filhotes). Se uma investigação como esta chegasse a resultados, mesmo que indiciais, de presença de crime, seu relatório necessariamente sairia dos muros da universidade, encaminhado às autoridades competentes para aprofundarem a investigação e tomarem as medidas cabíveis.
No entanto, a defesa apresentada na investigação interna foi tida, por um()a anônimo(a) acusador(a), como “obstrução da justiça”. E como defesa em filhotes da operação lava jato é, para a procuradoria federal e para a polícia federal, obstrução, estava decretada a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo!
Uma denúncia é o que basta para os des-investigadores: a polícia federal mancomunada com a Procuradoria, abre sua investigação e uma delegada, (desconhecida do grande púbico, mas candidata à chefia da polícia federal) pede a prisão preventiva do reitor da universidade e mais outras seis pessoas, além das inúmeras buscas e apreensões, incluindo um órgão do MEC (a Capes). Tudo examinado por policiais, procuradores e uma juíza, também ela ainda fora dos holofotes da imprensa, Dra. Janaina Cassol Machado (ah! este nome foi maculado por outra Janaína, a possuída), resulta na prisão e no espetáculo diário a que nos submetem instituições que deveriam ser sérias como a Polícia Federal, a Procuradoria Federal, o Judiciário e a mídia que há muito tempo vive da carniça que estas instituições vem produzindo, mesmo que ao arrepio dos procedimentos previstos pelas leis.
A delegada Erika Mialik Marena foi convencida, pela necessidade de holofotes, a pedir a prisão preventiva dos supostos criminosos, antes mesmo antes de ouvi-los. Era necessário: ela encabeça a lista tríplice de delegados, elaborada por eleição da associação de delegados federais, para dirigir a Polícia Federal. Um nome não só estranho, mas um nome desconhecido do grande público. Era necessário se tornar conhecida. Nada melhor do que uma prisão espetacularizada.
O assassinato do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo cai, assim, na conta de desta operação contra a qual não se pode dizer nada, pois imediatamente um sinal, ao velho estilo da cruz amarela usada pelos nazistas para assinalar os que deveriam morrer, marcará para sempre quem ousa apontar algum detalhe escabroso nos procedimentos. Até porque “isto não vem ao caso”, mesmo quando há denúncia de que existe uma “indústria de delações premiadas”. E a operação lava jato tem uma cadeia de atores: a polícia federal, a procuradoria federal, os juízes acusadores e a mídia a que se associam. Que vantagens levam eles? A mídia vende escândalos e aumenta sua conta de publicidades, orientada pela sua insensatez. Juízes, procuradores e delegados pousam de “salvadores da pátria”, tornam-se intocáveis e adquirem direitos a excepcionalidades reconhecidas até por tribunais.
Ora, a destruição de reputações, a destruição de honras (alguém disse que os canalhas que não têm honra não se importam quando a honra dos outros é ferida), tudo se faz em nome de um combate à corrupção, necessário, mas absolutamente mal conduzido porque dirigido por um protagonismo e uma concorrência de protagonismo entre policiais, procuradores e juízes.
Nem todos conseguem sobreviver ao ataque. Uma vez taxado de “corrupto”, jamais o sujeito se vê livre dos olhares perscrutadores e insistentes de todos que o rodeiam. Nada lhe sobra. Se não é canalha como o são muitos dos delatores da lava jato, sobra-lhe a sobrevivência na obscuridade ou o suicídio. O reitor escolheu o segundo caminho, e por isso seu suicídio é um assassinato.
Como pode a sociedade brasileira ter chegado à esclerose dos sentimentos, carregada a isso pela PF, pelo MPF, pelo Judiciário, todos espetaculosos, e pela mídia monopolizada e partidária? A sensibilidade, até mesmo de uma juíza, de uma mulher de que antigamente se esperava maior capacidade de compreensão humana, desapareceu. E tudo por um minuto de fama, nas claridades dos holofotes.
“… tudo isso poderia ter sido escrito de outra maneira, mais equilibrada, mais cautelosa e, digo agora: talvez mais amável, porém, é de se recear que eu só possa descrever tudo (…) com uma pena manca, como se alguém sempre a repelisse quando ela se dispõe a escrever certas palavras, assim minha mão finalmente escreve outras palavras em seu lugar, palavras das quais simplesmente nunca se dá uma apresentação amável, arredondada…” (Imre Kertész. Kadish. Por uma criança não nascida)
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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