O que há de silêncio no diálogo?

“Nenhum som teme o silêncio que o extingue. E não existe silêncio que não seja prenhe de som” (John Cage)

 

A música já foi considerada na Antiguidade um instrumento moderador da alma e não se restringia a uma expressão artística, mas estava diretamente ligada à formação do homem grego. Entender a música como moderador da alma ou como elemento formador humano não nos é estranho, pois, por meio dos sons e da palavra, há uma tomada de consciência no sentido de o próprio sujeito reconhecer-se como uma obra em movimento que se oferece à escuta.

Oferecer-se à escuta é colocar-se no campo da reflexão, sabendo que essa posição exige que se ouça o outro em relativa proporção. Nesse caso, é bom lembrar-se da execução de recitais, em que todos os músicos e seus instrumentos desempenham um papel imprescindível entre silêncios e sons.

De modo geral, o silêncio é caracterizado como a ausência de som, que não propaga elementos melódicos, sequer encadeia harmonicamente as notas musicais. Mas, onde está o silêncio? O que é esse estado de silêncio? O que normalmente chamamos de silêncio é aquilo em que não encontramos uma conexão direta com os objetivos daquilo que produz os sons, ou quando nos parece que há muitos sons carentes de sentido. Não teria sido o silêncio sufocado pelo excesso de esquematismos e de rituais? Não teria o silêncio dado lugar ao excesso de falas a si próprio?

John Cage, ao proferir uma palestra diz:

“Eu estou aqui e não há nada a dizer. Se algum de vocês quiser ir a algum lugar, pode sair a qualquer momento. O que se requer é silêncio, mas o que o silêncio requer é que eu continue falando. E a palestra gerará discussão. Vamos ter uma daqui há pouco? Ou podemos decidir não ter uma discussão. Como vocês quiserem. Mas agora há silêncios. E as palavras fazem, ajudam a fazer os silêncios. Eu não tenho nada a dizer e o estou dizendo. E isto é poesia, como eu quero, agora.”

Ao problematizar uma situação de silêncio, o que se cria é uma reversão da direção do acesso aos sons e às falas: ao invés de se ter os aparatos produtores ou repetidores dirigindo-se aos sujeitos, ter-se-ia os sujeitos buscando o som e o sentido.

Dessa forma, cada performance da composição será sempre nova, pois dependerá dos sujeitos participantes da produção de sentidos que se dará a tantos encontros diferentes quantos diferentes sejam os ouvintes e/ou leitores. Nesse caso, ou o barulho vence, ou os ruídos transformam-se em música e os ouvintes em músicos.

Cristina Araújo escreve neste Blog às segundas-feiras.

Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.