O Ministério da Educação adverte. “Profissão professor”

O Ministério da Educação (MEC), em sua página no Facebook, publicou ontem uma homenagem ao professor.

Vejamos:

 

Deixando temporariamente à parte a ideia de que o professor é aquele que “molda o cidadão para os novos tempos”, a figura do cartaz colado no quadro-negro despertou minha atenção. Talvez pelo estranhamento de ver um quadro na vertical, ou por não encontrar um escrito à giz, ou ainda, por não entender a estratégia sintática da frase. Sei que essa sensação me conduziu a buscar no link indicado na postagem algo que fosse esclarecedor, e vi que se trata da primeira de uma série de reportagens a serem veiculadas pelo Portal do MEC que abordarão a ampliação do mercado de trabalho do professor. Em síntese, pelo que li, o professor não precisa ser só professor! Lembrei-me do ano de 1999, quando alguns alunos da sétima série, do Colégio de Aplicação da UFG, me perguntavam sobre o que eu fazia além de dar aulas.

Na matéria do Portal do MEC, encontramos o seguinte:

“O mercado de trabalho para o professor vai muito além da atuação nas escolas. Há duas opções de formação: bacharelado e licenciatura. Quando o acadêmico opta pelo bacharelado, o foco é exercer funções no mercado de trabalho; sendo assim, não pode seguir carreira de professor.

Quando o acadêmico opta pela habilitação em licenciatura, poderá continuar sua vida profissional atuando como professor, em escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio ou acadêmico. Neste caso, ele pode se especializar em geografia, história, matemática, física, química, língua portuguesa, línguas estrangeiras, artes, entre outras.

Se sua opção é o bacharelado, poderá atuar em ONG’s, bibliotecas, hospitais, com mídias educativas, em pesquisa, com políticas educacionais, em consultorias, abrangendo diversos segmentos do mercado.”

De novo, o estranhamento! Seria um Novo Ensino Superior?

A matéria diz que o mercado de trabalho para o professor é amplo porque há duas opções de formação. Mas, ao escolher o bacharelado, não se pode ser professor. E se optar pela licenciatura, será professor e terá de se especializar e, pela linha de raciocínio do texto, não atuará em diversos segmentos do mercado. Pergunto: Qual é mesmo a opção?

O Novo Ensino Médio, embalado pela Base Nacional Curricular Comum, reforça que aprendemos a necessitar da escola e que as nossas atividades assumem a forma de relações de cliente, tal qual em outras instituições especializadas. E a formação docente? Seria ensinar as pessoas a se submeterem a padrões de mercado e não mais ser preciso colocá-las em seu lugar, porque elas mesmas se colocarão nos cantinhos indicados? Tanto se espremerão até caberem no nicho que lhes foi ensinado a procurar e, do mesmo modo, colocarão seus companheiros também em seus lugares, até que tudo e todos estejam acomodados?

Mas, e por que o estranhamento? Talvez pelo esquecimento de ter lido que:

“A escola vende currículo — um monte de bens de consumo feitos pelo mesmo processo e tendo a mesma estrutura que outras mercadorias. A produção do currículo começa com uma pretensa pesquisa científica na qual os engenheiros educacionais se baseiam para predizer a demanda futura e as ferramentas da linha de montagem, dentro dos limites traçados pelo orçamento e pelos tabus. O professor-distribuidor entrega o produto acabado ao aluno-consumidor cujas reações são cuidadosamente analisadas e tabuladas a fim de haver dados de pesquisa para a preparação do próximo modelo.  O resultado do processo de produção curricular assemelha-se ao de qualquer outro processo mercadológico moderno. É uma embalagem de significados planejados, um pacote de valores, um bem de consumo cuja «propaganda dirigida» faz com que se torne vendável a um número suficientemente grande de pessoas para justificar o custo de produção. Ensina-se aos alunos-consumidores que adaptem seus desejos aos valores à venda. São levados a sentirem-se culpados caso não ajam de acordo com as predições da pesquisa de consumo, recebendo os graus e certificados que os colocarão na categoria de trabalho pela qual foram motivados a esperar.”

O fragmento acima é de Ivan Illich, escrito em 1970. E o estranhamento é só a reação de alguém que ainda não aprendeu a minimizar a capacidade de surpreender-se.

Obrigada, MEC.

 

Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.  

 

Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.