O terremoto que mais uma vez assolou o México, causando dores, aflições e destruição, desvela nossa impotência. O sonho moderno de que a ciência explicaria tudo fracassou – o que explica sobre terremotos e furacões apenas desviou a humanidade de uma compreensão de que estes fenômenos fossem consequência da ira dos deuses.
O sonho mais bem elaborado pelo Iluminismo era de que a razão tudo compreenderia, e que o homem, compreendendo, dominaria a natureza em benefício de sua reprodução continuada e do seu bem estar. A ciência desvendaria; a tecnologia nela fundada dominaria as “forças ocultas” da natureza. No entanto, a cada desastre como estes que acompanhamos nestes poucos dias, dos furacões Ilma e Maria e do terremoto no México, desmente-se o sonho que continua, no entanto, a acalentar as mentes e corações dos homens. Nada há de ficar vedado.
Manter o sonho acesso iluminando o fazer científico tem suas vantagens. Mas tem inúmeras desvantagens também. Dele decorre a arrogância do homem diante da natureza e dos seres que povoam o planeta. Conhecer não tem limites, é óbvio. Mas todo cientista sabe que seus modelos, suas explicações são hipóteses que serão derrubadas no futuro quando outras teorias explicativas forem construídas. Newton ainda permanece, mas sua maior glória á ter sido questionado por Einstein e parte de suas teorias terem sido abandonadas. Uma hipótese que permanece sempre a mesma não tem lugar no mundo da ciência! Ela somente persiste no mundo da fé: até hoje há quem acredite na moldagem do homem a partir do barro à semelhança de seu criador – que ninguém viu, cuja imagem terrena é uma cópia da criatura que lhe é semelhante. E há quem acredite também que houve um Paraíso e que Adão não comeu a Eva, apesar da ordem do “crescei e multiplicai-vos”, mas a maçã, uma metáfora não do ato sexual mas do conhecimento: o criador, se isso fosse a verdade, teria condenado o homem que criou à eterna ignorância.
Felizmente progredimos graças ao conhecimento que ao longo da história fomos produzindo. Mas também crescemos em arrogância, imaginando-nos capazes de tudo conhecer e tudo controlar. Foi esta mesma arrogância que nos levou à insensatez.
Mesmo enxergando, ao menos nas catástrofes – porque no cotidiano há cegueira – a aflição e a dor que a destruição traz, mantemos o mesmo modo de exploração da natureza impondo a todos as consequências. Donald Trump é talvez o símbolo maior desta insensatez. Retira-se do Acordo de Paris sobre o clima e a poluição com a desfaçatez que somente um ganancioso empresário poderia ter: não lhe importam consequências e mortes, importam os lucros registrados nos balanços anuais e a acumulação insensata de capital que, a cada dia, mais independente no que chamam “mercado” há de derrubar a eles mesmos: o capitalismo produtivo e poluidor criou, gestou o capitalismo financeiros que agora engole o que o primeiro ainda acumula! Esta a grande insensatez: essa incapacidade de compreender que os desastres naturais são também resultados da sua ação! O sistema de exploração infinita de bens finitos (afinal, o Planeta é finito) nos traz os desastres que a ciência explica mas que a tecnologia não consegue evitar! Como não evitará as consequências de um regime econômico que esqueceu o homem e a natureza em nome da lucratividade e da especulação.
A humanidade do homem é uma conquista histórica sempre em andamento, com avanços e recuos – enquanto animal o homem não é digno em si, mas se dignifica na história. Se um regime econômico está produzindo apenas recuos nesta história, alijando o homem e elegendo o deus “renda” como o lugar de comando do fio da história sem fim que fomos construindo com muito sangue derramado e muito trabalho coletivo, então este regime precisa ser destruído, transferindo a dor de todos aos beneficiados eternos da exploração do homem e por seu intermédio, a exploração da natureza que responde com desastre nem tão naturais e inevitáveis.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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