O homem invisível, de H. G. Wells

O mito da invisibilidade é bastante antigo. Mantém-se no presente, principalmente em narrativas fílmicas de ação. O livro de Wells foi publicado em 1897, e como tem por tema este mito (ou desejo), permanece um livro que se lê com gosto (e com certa rapidez, porque é um livro de ficção científica e ao mesmo tempo um livro de ação que vai levando o leitor de uma peripécia à outra).

A história se inicia com um estranho senhor se hospedando na “Coach and Horses” recém chegado Oping da estação de trem de Bramblehurst, em noite de grande neve e frio. Vinha enrolado em bandagens que aparentavam ter sofrido um acidente. Instala-se no lugarejo, na manhã seguinte lhe entregam a bagagem que havia ficado na estação, e que consistia somente em muitas garrafas, tubos, líquidos… E o novo hóspede exige não ser incomodado, não ser interrompido, fazer suas refeições no aposento que lhe foi destinado. E tudo com absoluta rigidez e falta de educação.

E então começam a acontecer coisas no lugar pacato. O primeiro evento que denuncia que algo não é normal se dá quando Mr. Cuss vai ao aposento pedir ao estranho que colabore numa subscrição para contratar uma enfermeira. Tenta estabelecer uma conversa com o estranho, e em certo momento o vento leva um papel para a lareira… o “Homem invisível” corre para salvar o que ainda restava na escrivaninha, e então Mr. Cuss descobre que são roupas vazias que se movem, que não há mão no fim da manga do paletó, que nesta manga não há um braço… Apavorado, vai se aconselhar com o vigário de Iping, que tenta acalmá-lo pensando em alucinação. Mas o evento seguinte diz respeito diretamente ao vigário: somem suas economias do vicariato. Seguem-se cenas observadas na hospedaria: parece que os móveis do aposento se mexem sozinhos!

Entrementes, as desavenças com a senhoria começam. Mrs. Hall, a proprietária da hospedaria, sendo mal tratada pelo hóspede, decide por manda-lo embora, alegando falta de pagamento. Quando diz isso, o hóspede lhe paga e ela estranha, pois na véspera disse que não tinha qualquer dinheiro com ele. A desconfiança se alastra.

Forma-se uma comissão que vai falar com o estranho hóspede, já pensando em sua prisão com a acusação do furto na igreja. O delegado, Mr. Cuss e o vigário. E descobrem que ele é invisível, pois se desfaz das roupas e começa uma luta contra os três, usufruindo do fato de sua invisibilidade (e de sua força portentosa, algo estranho já que se tratava de um sujeito que vivia para sua pesquisa, sem outra atividade física que não o seu laboratório e seu sonho de se tornar invisível).

Assim, a comunidade descobre seu segredo: que em verdade para se tornar visível, usava as roupas. E começa a caçada ao Homem Invisível, que foge não sem antes tomar como seu “escravo” um pedinte que por ali estava. Este carregaria seus livros, e em seus bolsos juntaria tudo o que fosse roubando pelo caminho. Um sócio subordinado, um serviçal na verdade.

No entanto, Thomas Marvel, o mendigo, consegue escapar à vigilância do Homem Invisível, fica com seu dinheiro e com seus livros. Para garantir sua própria sobrevivência, pois a Voz prometera matá-lo se ousasse trair. Depois de muitas peripécias, o Homem Invisível acaba por se esconder na casa de outro cientista, o Dr. Kemp, já em outra localidade.

Apresenta-se. E então ficamos sabendo seu nome: Griffins. Conta sua história, sua pesquisa e o grande problema que estava enfrentando: não conseguia reverter sua invisibilidade. Nos capítulos desta narrativa, vai explicando como conseguiu seu feito em termos físicos, apresentando suas fórmulas e seus estudos.

Depois de reconhecido, faz a seu hospedeiro involuntário uma proposta: que se tornem sócios, aproveitariam da invisibilidade para instalar o Mundo do Terror, comandariam o mundo e tomariam todas as posses dos outros. Kemp faz de conta que aceita, mas em verdade manda um bilhete à chefia da polícia avisando que o “ladrão procurado” estava em sua casa.   

Recomeça a caçada. Ele consegue fugir, mas volta à casa de Kemp para sua vingança pela traição do amigo e antigo companheiro de universidade. E então acaba sendo pego, ferido e a invisibilidade começa a rever e aparece um homem

… ali estava diante deles, nu, estirado no chão, o corpo ferido e machucado de um homem de seus trinta anos de idade. Seu cabelo e a barba por fazer eram brancos, não o branco da idade, mas o do albinismo, e seus olhos eram vermelhos. Suas mãos estavam crispadas, os olhos arregalados, e sua expressão era de raiva e desalento.    

No epílogo, reaparece Thomas Marvel, agora proprietário de uma taverna, sempre dizendo que os livros com os segredos da invisibilidade não tinham ficado com ele. Quando todos iam embora, ele se escondia para tentar ler os livros, para tentar descobrir os segredos ali guardados:

– Xis… um doizinho em cima… Uma cruz… Um desenhozinho… Meu Deus! Que sujeito intelectual!

Depois de algum tempo ele relaxa, recosta-se na poltrona e fica contemplando a fumaça que sobre para o teto, como se contemplasse coisas invisíveis a outros olhos.

– Cheio de segredos – murmura ele. – Segredos maravilhosos. No dia em que eu souber o que tem aí dentro… Ah, não vou fazer o que ele fez! O que vou fazer é …

Nesta cena final, o mito da invisibilidade retorna… e mesmo tendo presenciado a infelicidade que a invisibilidade trouxe, Thomas sonha, como tantos outros, conseguir se tornar invisível e usar da invisibilidade para realizar sonhos guardados.

 

Referência. H. G. Wells. O homem invisível. Tadução, prefácio e notas de Braulio Tavares. Rio de Janeiro : Objetiva, 2011.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.