O diagnóstico social revela que a ética no Brasil atual está em estado de coma terminal. O cérebro e o coração da ética estão em estado depressivo na UTI do hospital público do sistema representativo, cada vez mais oligárquico. Assim, a ética sofre de atrofia por desuso e desrespeito dos seus princípios. A ética só continua viva por força e energia da indignação de brasileiros e de brasileiras engajados no movimento da rejeição do sistema político representativo, empoderado por golpes sucessivos de políticos e empresários. Esse movimento de luta do povo precisa ultrapassar – ir além – a indignação, a rejeição e desencadear um movimento de luta ideológica, social e política por uma democracia viva, participativa, substantiva da sociedade brasileira.
Assim, ao chegar a um diagnóstico mais preciso, mais verdadeiro do estado real da crise ética no Brasil de hoje, ou seja, o estado de crise que atinge toda sociedade brasileira, primeiramente precisamos perguntar: que Brasil é o nosso Brasil de hoje? Em que país, em que mundo vivemos? Estamos vivendo – e fazendo parte – um movimento do mundo da igualdade ou um movimento do mundo da desigualdade cada vez mais radical? Os nossos sistemas representativos – o político e o judiciário – garantem o que para quem? Por acaso, os nossos 33 partidos políticos se alimentam da ideologia, da ética, da igualdade e da justiça social, da fidelidade…? Ou alimentam os interesses pessoais dos políticos que os inventaram e os mantém como garantia de poder político? Quem, realmente, tem interesse e luta pela manutenção e vivência dos princípios éticos no Brasil de hoje? Sem a pretensão de responder estas perguntas, esclarecer as dúvidas e incertezas, é preciso reconhecer que há um pressuposto real, verdadeiro, que determina as crises que vivemos no sistema neoliberal brasileiro de hoje, segundo o qual os princípios éticos já não se constituem mais como valores determinantes dos atos responsivos dos políticos e nas vidas de cada um. Como resultado inevitável – trágico para o povo e glorioso para as elites capitalistas e seus aliados políticos no poder – temos um pensamento depressivo e incrédulo na política por parte das massas populares. Temos um povo indignado e ao mesmo tempo indiferente e omisso. Não engajado. Na correlação de forças, o poder econômico, aliado ao bloco no poder, está derrotando os trabalhadores com a aprovação das medidas no congresso. Assim, em vez de termos um povo “sujeito”, temos um povo indignado, mas passivo, alienado, talvez, por conta das forças e armas do sistema político representativo.
E como, então, a depravação da ética acontece no dia a dia das vidas reais, existentes? Pelos princípios pedagógicos e morais ensinamos e aprendemos na teoria os princípios éticos verdadeiros, mas, na prática acontece o contrário.
– “Não pode mentir”, porém, se for preciso, mente, prometa para os eleitores que vai lutar pela educação, pela saúde, pelo bem dos mais pobres, pelos trabalhadores… e depois de eleito, esqueça; quando for acusado de práticas de corrupção, de crimes contra a vida, contra o meio ambiente… diga que é para o progresso, para gerar empregos, para produção de alimentos…, enfim, diga que é mentira dos acusadores;
– “não pode roubar, tirar o que é dos outros, o que é de todos”, porém, para enriquecer muito em pouco tempo tire o que é de todos, pegue o dinheiro do estado e deposite nos bancos fora do Brasil, compre carros importados, aviões, barcos, dê dinheiro para a mulher comprar joias, vestidos, sapatos no valor de milhões de reais…;
– “não pode matar”, porém, para defender o que é de sua propriedade ou para defender a si mesmo, mate e contrate um bom advogado para se defender e ser absolvido pelo Juiz, sempre em legítima defesa; isso se você tiver muito capital, bastante dinheiro e se for político;
– “é proibido andar acima da velocidade determinada”, porém, se não tiver policiais de trânsito, câmeras e radares no caminho, ande a 130, 150, 180km por hora;
– “não pode prometer a redenção e salvação pela bondade e graça dos deuses”, porém, para garantir o pagamento do dízimo e muito mais do dízimo, prometa a salvação eterna em nome dos deuses;
– “é proibido comprar e vender votos”, porém, se for preciso para se eleger e aprovar medidas contra o povo e os trabalhadores, pegue dinheiro sem medida dos órgãos públicos em parceria com empresas e gaste em campanhas políticas sem limites;
– “é proibido sonegar impostos públicos”, porém, se não houver fiscais honestos e sistema de controle eficaz, suborne os fiscais e camufle as máquinas de controle;
– não pode enganar os consumidores com mercadorias de má qualidade, falsas…, porém, se os compradores forem ingênuos, de pouca inteligência, logre o quanto puder.
Com certeza, existem maneiras ao infinito na vida real em que a ética é violentada. E tem solução? Qual? Certamente, porém, a indignação é o primeiro ato responsável, o ponto de partida, apenas o começo. A solução para a crise está na caminhada e na chegada para além da indignação. Precisamos de uma sociedade como “sujeitos coletivos”, conscientes.
Cascavel,6/9/2017
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
Comentários