Em viagem para o interior do Paraná, onde visitei minha mãe com 100 anos e que sofrera um AVC que – para surpresa de todos – está superando, hospedado num pequeno hotel, entro pela manhã para o café e a TV está ligada. Obviamente, na Globo! O império impõe.
E eis que assisto, mesmo não querendo, a um trecho de um jornal. A âncora com sorrisos e muitas alegrias, anunciava o aumento dos empregos graças ao carnaval. Salientava ainda o empreendedorismo que estava fazendo a economia alavancar! Quem escutou e levou a sério o noticiário, certamente está apostando que o crescimento econômico brasileiro é uma verdade, de causar prazer às prostitutas do mercado. Nem precisa ser prostituta do mercado e no mercado para perceber este “avanço na economia”: aumentou, segundo elas eles, o empreendedorismo, com muita gente vendendo balas e água nas esquinas; entradas de garagens transformadas em “mercadinho” vendendo de tudo um pouco… É isso que saúdam sorrindo da miséria alheia.
Provavelmente a âncora, aos sorrisos de má fé, pensava com seus botões sobre como organizar sua microempresa com CNPJ para prestar serviços à Globo, depois de ter sido chamada ao Departamento de Pessoal que modifica os contratos com base na nova legislação do trabalho, a mesma legislação que ela muito elogiou. O prazer com o suposto crescimento seria real ou falso? O medo de que seu contrato venha a se tornar de trabalho intermitente, com as horas de apresentação do jornal, deve estar mexendo com a cabeça da moça: será uma empreendedora com registro de CNPJ. Tudo pelo mercado, até o falso prazer das notícias analisadas de uma forma quase pueril. Mas os coxinhas gostam, ainda que tenham perdido emprego.
Hoje caminhei pelo centro da cidade, Campinas. A quadra que fica entre um dos lados da Catedral e os bancos do Brasil e Itaú foi transformada em dormitório. Por ali moram os afortunados excluídos do neoliberalismo financeiro. É espantosa a lição: alguns abrigam-se na entrada do Banco Itaú, cujo lucro no último balanço (2017) foi de 24 bilhões, num crescimento de 10,7% em relação ao ano anterior. Mas não se diga que o Banco Itaú não é generoso com os excluídos: oferece-lhes o abrigo curto de sua entrada para serem as novas moradias do crescimento de que as prostitutas e prostitutos tanto se ufanam. E vale uma nota: o orçamento do Bolsa Família em 2017 foi de 17,1 bi. Para 2018, está previsto o valor de 28,2 bi. Realmente, um absurdo para as prostitutas do mercado. É preciso que os rentistas abocanhem este dinheiro que é para milhões, para que os lucros se tornem mais substantivos e sempre na ordem dos bilhões.
Mas também confirmei a notícia da âncora em seu comentário lido no “pronpt” que lhe prepara sua contratante: a presença de infindáveis novos empreendedores, que o ministro-fantasma Henrique Meirelles, aquele que não se cansa de anunciar aos jornais que o mercado insiste que ele se torne presidente da república, que o tal ministro, repito, aponta como sinal de crescimento e confiança na economia brasileira. Diz ele que surgiram muitos novos empreendedores.
São microempresários oferecendo de tudo: “água geladinha! Olha a água geladinha…”; “Olha a bala! Olha a bala!”; “Aqui, aqui! Só 5 reais o pano de prato!”; mas há também entre estres microempresários aqueles que usam uma voz chorosa e pedem “me ajude, compre esta bala (de goma)”. E por aí vai o crescimento cantado em prosa e verso: uma cacofonia típica de nossas cidades no mundo globalizado do neoliberalismo. Logo, logo, algum fiscal da Receita Federal vai aplicar multas a estes empreendedores que não estão declarando seus vultosos lucros. A mesma Receita Federal que dispensa de pagamentos de valores assombrosos o Itaú, a Globo, e todos mais que os prostituem.
Mas há também os novos empregados, os novos empregos intermitentes, empregados que mostram sorriso nenhum, mas tristeza: entregam papeis impressos oferecendo serviços dos seus patrões provisórios: o sorriso dental; compro ouro; a vidente Professsora X está na cidade; liquidação total de biscoitos… São aqueles papéis que a gente vai pegando para ajudar o que os distribui e que coloca no primeiro lixo que encontra. Tudo gente empregada! Para o ministro, símbolo do desenvolvimento e da confiança na economia brasileira. E as prostitutas e os prostitutos do mercado batem palmas: castas, leitoas e fragas… que agora começaram a resmungar: eleições prejudicam o mercado!!!
PS. Esta crônica já estava pronta antes da intervenção e antes da retirada da PEC da Reforma da Previdência!!! Estas mesmas prostitutas e prostitutos do mercado e no mercado voltarão, agora, a serem urubólogas e urubólogos!!! Não vão deixar barato esta decisão “populista” do Temeroso. Gritarão, gritarão pela Reforma… são mesmo fdp.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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