O coração bate forte, ainda que a caminhada tenha parado

Não, não sou um Palomar a medir uma onda, nem mesmo um Palomar indeciso que, caminhando na praia, se vê surpreendido por uma necessária decisão diante de uma banhista com os seios amostra: deve olhar (um gesto de elogio à beleza?), deve ignorar (um gesto de naturalização do que ainda não se tornou comum?).

Sou nada disso: para o primeiro Palomar, me faltariam reflexões filosóficas e epistemológicas; para o segundo Palomar, me faltariam engenho e arte para criar o erotismo que acompanha as indecisões de Palomar.

Mas vivo à beira-mar. Signifique isso o que possa significar: à beira. E caminho todas as tardes na praia de Barequeçaba.

Na temporada, como agora, enche-se a praia de diferentes pessoas. Como é uma praia sem ondas, e no lugarejo não há bares nem baladas, não é a praia preferida pelos jovens. Ainda que este temporada surpreenda: há jovens por aqui.

Mas predominam mesmo são as famílias recém-formadas, quer dizer, aquelas com filhos pequenos. E estes pequenos que vejo todos os dias variam: alguns têm poucos meses, outros beiram os três anos, e há aqueles miúdos mais crescidos, já frequentando escola. Muitas vezes paro minha caminhada para observá-los: desenvolvidos, os mais crescidos jogam de um tudo, correm para o mar, mergulham, e voltam aos seus novos afazeres, livres da escola e dos horários.

Os menores, estes usufruem da presença dos pais: é muita coisa ao mesmo tempo – os pais disponíveis e à disposição, a areia sem fim, e a água cálida nestes tempos. E eles aproveitam de tudo e sem nunca se darem por satisfeitos. Dentro do mar, sempre querendo ficar para mais uma “onda” (as marolas de nossa praia), e a gente ouve “mais uma!”, “mais uma!” e assim vão adiando a saída, o retorno para casa, o banho com água doce, a janta, a televisão e a cama… ficam e fazem ficar mais tempo.

Ontem percebi uma cena com uma mãe e uma criança com aproximadamente dois anos: vinham saindo do mar, em direção à praia. Não vinham de mãos dadas. Simplesmente vinham juntas. Ao chegar à areia, a criança percebe que a estão tirando do mar. Estaca. Fecha a cara. Como se lhe tirassem o pirulito. Dá meia volta, a mãe chama, e ela foge para dentro do mar… sem remédio, a mãe retorna à água e fica mais um tempo: vitória da menina que volta à felicidade que lhe queriam roubar.

Noutro momento, agora acompanhado de uma amiga portuguesa em nossa caminhada, vimos um garoto: pequerrucho. Estava de cócoras e “enfrentava” com os olhos o mar: avanço? Entro? Tenho coragem? Estático e belo, em cócoras de olhar sério, quase carrancudo. Como quem está diante do inimigo que quer e não quer enfrentar.

Abaixo-me e pergunto: “você quer entrar na água?” Ele me olha súplice, e eu lhe ofereço a mão, entramos. Minha caminhada fica suspensa, mas o menino, entregue aos cuidados de um desconhecido, desconhece estas metas adultas de um enfartado que os médicos mandam caminhar. Para o coração, a alegria de estar com ele é melhor do que qualquer caminhada.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.