Este pequeno conto de José Saramago, publicado num volume com apenas esta história, põe em jogo a busca de uma ilha desconhecida, uma metáfora sobre a busca de si mesmo.
O enredo é de história infantil: um súdito se dirige à porta das petições do Palácio, porta a que o rei jamais aparece, pois está sempre ocupado com a porta dos obséquios, onde recebia seus presentes. Mas desta vez o pedindo não deixava de fazer soar a aldraba, de modo que o próprio rei ficou com receio de que a população começasse a reclamar por ele não atender. Pediu então ao primeiro-secretário que fosse atender, este pediu ao segundo… até a ordem chegar à mulher da limpeza, que abre uma fresta da porta para saber o que quer o insistente pedinte.
Ele quer um barco. Um barco com que pretende ir para o mar em busca da ilha desconhecida. Como ele não desiste, apesar de lhe dizerem que já não mais há ilha desconhecida. Por fim o rei vai à porta das petições e determina que o capitão dos portos lhe entregue um barco.
A mulher da limpeza, ao saber disso, abandona os serviços do Palácio, sai pela porta das decisões para juntar-se na viagem em busca da ilha. Conseguido o barco, o novo marinheiro vai em busca de tripulação, mas não consegue ninguém que queira acompanhá-lo. Assim mesmo, começam a trazer para o barco o necessário para a viagem: animais, comida, terra com sementes, etc.
Antes de sair para o mar, habitantes do reino entram no barco. Quando encontram uma primeira ilha, já habitada, exigem que o “capitão” os deixe por lá. Ao descerem levam os animais todos. E permanecem no barco apenas a mulher da limpeza e o marinheiro que busca a ilha desconhecida.
Enquanto navegam, abrem-se os sacos de terra e começam a crescer árvores no próprio barco, de modo que ele se torna uma ilha verde, com pássaros que cantam, sem lugar fixo: o barco é a ilha.
A busca pela ilha desconhecida acaba na medida em que o próprio barco se faz ilha. Trata-se de uma metáfora da busca de si mesmo, do cuidado de si socrático: enquanto o homem do leme busca o desconhecido, torna conhecido a si próprio. Um conto (infantil?) destinada à reflexão sobre este cuidado de si que tanto nos aflige.
Referência: José Saramago. O Conto da Ilha Desconhecida. Lisboa : Assírio e Alvim, 1997.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Fiquei com vontade de ler o conto… Em busca vou.