O camarote está cada vez mais confortável

Todos aqueles que em 28 de outubro passado adquiriram o direito ao camarote estão rindo à toa. É que o espetáculo se iniciou antes do esperado e de forma surpreendente.

Para os atentos expectadores dos movimentos dos atores, chamam atenção:

  1. as frituras de nomes para os ministérios. Eles surgem aqui e acolá, às vezes até em tweet de membros do clã. Depois desaparecem se a força do nome não tem força. Mas se tem força, abre-se novo ministério para acomodar o nome com força. Tanto que dos 15 ministérios prometidos na campanha, já temos mais de vinte e o governo de transição não acabou ainda. Um espetáculo digno dos expectadores;
  2. alguns nomes nomeados espantam, como o do ministro das relações exteriores, o homem que propõe uma diplomacia exoplanetária para incluir nas relações de amizade outros povos ainda não contatados, para além da submissão à diplomacia mimética, isto é, a de espelho do que quer Trump;
  3. um segundo futuro ministro que espanta é aquele que ocupará a pasta da educação e cultura: a favor do Escola sem Partido (que até o guru filosófico do grupo, o Sr. Olavo Carvalho, considera uma besteira), já a favor da profissionalização no ensino médio e defendendo a estapafúrdia ideia de que nem todos querem fazer curso superior, de modo que a rede de ensino superior federal poderá ser reduzida se não em número de universidades, ao menos nas vagas que oferece;
  4. não deixa de levar ao riso outro ministro poderoso, o Sr. Onix Lorenzoni, que confessou ter recebido dinheiro de caixa 2, um crime eleitoral, de que pediu desculpas e foi absolvido por seu futuro colega de ministério e Pai Supremo, o Sr. Sérgio Moro. Mas ele não se cansa de dar espetáculo como a declaração de que o assunto já foi resolvido entre ele e Deus e ele está agora de consciência tranquila (aquela mesma que logo após a primeira comunhão, chegavam os meninos depois de confessarem sua masturbação aí pelos 8 ou 10 anos);
  5. obviamente, a Agricultura foi entregue à Rainha do Agrotóxico. Resta saber se os compradores da soja brasileira vão querer o produto com que alimentam seus porcos europeus… ou fazem suas comidas típicas chinesas. Mas isso não é problema algum, que por aqui tudo pode;
  6. fica por conta da ministra-pastora, para quem “Não é a política que vai mudar esta nação, é a igreja” de modo que caminhamos a largos passos para um comando teocrático por inspiração de pastores que vem propondo a “cura gay”. Quem não consegue rir com estas piadas, confortavelmente instalado em seu camarote, já perdeu por completo o senso de humor. Informo que o lugar de deus no comando já está ocupado pelo superministro que tem poder de absolvição dos pecados. Bolsonaro que se cuide, pois pode virar uma “rainha da Inglaterra”;
  7. de qualquer forma, os apoiadores ‘nacionais’ todos podem ir e voltar à vontade ao Posto Ipiranga, sabendo de antemão que nas primeiras viagens irão bem vestidos e perfumados, mas logo perderão o perfume, depois a camisa, depois as calças e logo, muito logo, até as vestes íntimas irão a leilão para agradar ao mercado e aos capitais. Quando todos estiverem nus, ninguém perceberá a nudez do rei.

Fiquemos neste número cabalístico. Como disse alguém, cujo nome esqueci, se não nos baterem, teremos muito do que rir nos próximos anos. A questão é saber se a força dos risos não preocupará a força das armas. Que São Mourão não nos acuda, que queremos rir no sofrimento: dói menos.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.