Demorei para compreender a razão de o governo interino ter pedido um valor tão alto de déficit público parao orçamento deste ano. Enquanto a presidente anterior havia pedido menos de 100 bi, o que pediu Temer/Meirelles/Romero Jucá foi quase o dobro. Um governo esperto, ladino, que sabe como fazer as falcatruas legalizadas.
Com este deficit autorizado legalmente, comprou o apoio dos governadores renegociando as dívidas dos estados, aplicando só aí 50 bi; um tombo para a União, devidamente autorizado. Um tento político do governo interino que conquistou assim os governadores e lhes impôs o que eles desejavam: privatização de bens dos estados – aprofundando o programa neoliberal que conduz o governo da União – e proibindo novas contratações e aumentos de despesas de folhas de pagamento. A partir de agora, os governadores terão um fôlego para fazer obras, muitas necessárias outras nem tanto, mas todas de grande apelo eleitoral. E ainda poderão dizer aos funcionários públicos estaduais que não podem contratar substitutos, não podem elevar gastos por decisão do governo da União (claro, se possível, e em política isso é sempre possível) farão passar as decisões como “culpa” do governo petista, herança maldita, etc. etc. etc. Todos conhecemos este discurso que a imprensa fará até a exaustão.
Como vem fazendo em relação a Lula. Há que preparar o povo para sua breve prisão. Como Moro e cia. não encontram o crime – porque se já tivessem provas de crime, com a vontade que tem a força-tarefa de levá-lo à prisão, já o teriam prendido – a imprensa vem dando uma mãozinha (ou mãozona?). E isto se faz com a menção, sempre entre travessões, da expressão amigo do Lula.
No noticiáio de hoje, caindo em desgraça o queridíssimo pela imprensa comentarista econômico Delfim Neto, sempre assinando artigos nas páginas de reflexão de um grande jornal paulista, sempre entrevistado pela TV para comentar fatos econômicos, sempre badalado por entrevistadores e levado a programas como Roda Viva, eis que Delfim cai na delação da Andrade Gutierrez: recebeu 15 milhões por “consultoria” nos serviços prestados para compor o conglomerado que assumiu a construçao da usina de Belo Monte… Segundo a Lava Jato, são propinas.
Caído em desgraça, eis que a imprensa se lembrou do que sempre esqueceu enquanto ele estava em boas graças, enquanto ele era o queridinho comentarista econômico. Diz o jornalão, o Estadão, textualmente: “Delfim foi ministro da Fazenda (1867-1974) e criador do “milagre econômico” da ditadura militar. Durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, foi seu principal conselheiro econômico. Nas delações da Andrade Gutierrez, Delfim e o pecuarista José Carlos Bunlai – amigo de Lula – foram apontados como os responsáveis pela formação do consórcio vencedor do leilão da usina de Belo Monte.”
Numa só cajadada, a imprensa nos mostra que tem memória – apenas havia omitido por longo espaço de tempo – que Delfim foi ministro da ditadura (ele assinou o AI-5, só para acrescentar) – mas que suas lembranças a respeito são extremamente seletivas, e a memória só passa a funcionar quando é possível ligar com Lula. Delfim, o ministro da ditadura, foi conselheiro de Lula… em economia, na mesma área em que foi o sempre consultado pela mesma imprensa que agora dá a entender que manteve sempre distância do ex-ministro da ditadura. E logo apresenta o Bunlai, que tem como seu aposto necessário, perdendo seu nome qualquer referêrncia, amigo do Lula.
Como todo este esforço ainda parece insuficiente, deve a expressão estar sendo usada também nas páginas policiais (não as leio, porque já leio as páginas políticas). Por lá devem aparecer coisas como “X da Silva, que cumprimentou Lula no comício XXX, arrombou residências na região do Morumbi”; “X das Mercês, que votou em Lula em 2002 e repetiu o voto em 2006, estrupou M. das quantas” e assim sucessivamente.
De referência em referência, de amigo a amigo, o clima para a prisão do Nine, como Lula é conhecido nos corredores da Lava Jato num desrespeito e num preconceito que beira à crueldade explícita, está pronto. Breve teremos mais uma operação de guerra da PF.
Enquanto isso, o atual ministro da Justiça, pode passear tranquilo. Jamais aparecerá como aposto a seu nome na imprensa, que ele foi defensor do PCC!!!! Até que caia em desgraça também ele… afinal, os ministros do Temerbroso são tão breves quanto será sua interinidade.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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