Desde que chegou às ciências exatas e da natureza a dúvida, não no sentido cartesiana de pergunta que leva a respostas, de preferência dentro do método preconizado, mas a dúvida em relação às próprias respostas que a ciência elabora, reconhecendo que estas não correspondem ao real, mas a uma construção sobre o real, a VERDADE como correspondência com a realidade deixou de ser a panaceia da ciência. Desde Einstein (teoria da relatividade), passando por Bohr e Einsenberg (teoria do sujeito instrumentado) e chegando a Elya Prigogine (teoria das estruturas dissipativas), as ciências da natureza introduziram em seu interior a dúvida, a incerteza, a insegurança de suas respostas. As ciências da natureza não descrevem a realidade, mas fornecem somente mapas, modelos provisórios de compreensão.
Nas chamadas Ciências Humanas desde sempre, com sua heterocientificidade, a dúvida e a insegurança de suas respostas faz parte do cotidiano deste fazer científico. O máximo que conseguimos é um mergulho cada vez mais profundo na compreensão da realidade à medida que nossos “instrumentos” (que são conceitos) nos permitem leituras outras sobre a mesma realidade de que podemos aproximar-nos com uma penetração cada vez mais aguçada.
Há, no entanto, uma ciência de muito cartaz no mundo contemporâneo que se julga acima das ciências exatas e da natureza e acima, sobretudo, das Ciências Humanas. Trata-se da ECONOMIA. Economistas falam e agem como se porta-vozes da VERDADE, da compreensão única e verdadeira das atividades humanas, reduzidas suas afirmações às relações econômicas, obviamente, como se estas fossem um fenômeno abarcável em sua totalidade. Certamente não estou falando de todos os economistas, mas dos economistas neoliberais que nos assolam.
Ora, quando a Economia faz descrição do mundo das relações de produção e comercialização, das capacidades aquisitivas, da distribuição da renda, etc, está muito próxima de suas raízes, a Sociologia; quando faz História Econômica, está fazendo história, ainda que de um ponto de vista mais estrito do que aquele que o historiador gostaria de abarcar; quando elabora modelos e projeções sobre mundos possíveis nas relações econômicas, aproxima-se da Teoria de Modelos e da filosofia; quando tenta implementar seus modelos, interferindo na realidade para que o mundo se conforme ao modelo, está fazendo Política. De modo que, queiram ou não os economistas “neoliberais”, a Economia não é dona de verdade e concorre em suas explicações, de forma complementar, com as demais ciências sociais.
No entanto, ao contrário dos demais, sociólogos, filósofos, políticos, historiadores, os economistas que nos assolam, que rezam pelo credo neoliberal, são obtusos. Uma vez aprendida uma lição – a de que o mercado deve comandar tudo e todos – não conseguem aprender uma segunda lição. Nos últimos 30 anos, os fatos vêm mostrando que o modelo preconizado pelo neoliberalismo não dá certo; não produz desenvolvimento; não melhora a padrão de vida de ninguém; que somente consegue produzir dinheiro de papel, sem qualquer correspondência com o mundo efetivo; que somente enriquece e empobrece. No entanto, eles não aprendem nada. As receitas suicidas da austeridade, da transferência para o mercado da condução da vida econômica se mostram cada vez mais absolutamente inadequadas. Países que aplicaram a receita chegaram ao fundo do poço (Grécia) enquanto países que recusaram a receita (Portugal) reencontram caminhos de prosperidade.
Não adianta nada disso: os neoliberais brasileiros não conseguem aprender uma segunda lição. São homens de uma lição somente. E continuaram com sua fé, destruindo o país sempre a serviço do capitalismo improdutivo e rentista.
Ai de nós que temos que aguentar um Henrique Meirelles, um convertido José Serra, uma mula como Sardenberg comentando e explicando o mundo econômico a incautos expectadores da abjeta Rede Globo. E aqueles que se julgam informados pela VEJA e por ÉPOCA, ou pela ISTOFOI, que ganham 5.000 mensais e se têm por bem pagos (sua renda anual não chega a dois meses de salário de seu ídolo Sérgio Moro) repetem a mesma lição! É um catecismo. É uma questão de fé, não de ciência! O problema é que se revestem da autoridade da ciência para pregarem suas patacoadas, como se um gráfico qualquer tornasse científico qualquer discurso!
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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