Para grande parte da humanidade o Natal é celebração da vida, cuja centralidade é o Menino Jesus e as orações. Para outra parte da humanidade – a maior – o Natal é festa, cuja centralidade são os presentes. Para uma terceira parte da humanidade o Natal é tristeza, cuja centralidade é a privação da vida e das festas, é fome, abandono e pobreza.
Para aqueles que ainda celebram o Natal, o significado maior é a vida em família e com os amigos. Valem mais os abraços e beijos do que os presentes. Estes, os presentes, são materiais. Efêmeros. Os abraços, os beijos e as orações são sentimento de afeto, de fé, de respeito, de amor humano, de alegria, de solidariedade humana. Para esta parte da humanidade a Missa do Galo ainda tem significado espiritual profundo. O presépio é construído em cada lar pela própria família, com Menino Jesus, Maria, José e os pastores de Belém. No passado, o presépio era construído no centro da sala principal da casa, com bolachas caseiras feitas na forma de argolas e estrelas, dependuradas nos pinheirinhos. Os presentes, quem os trazia era o Menino Jesus e não o Papai Noel. O Papai Noel vinha antes, logo ao anoitecer para assustar as crianças e pedir a elas que obedecessem aos adultos e rezassem muito ao Menino Jesus. Antes de deitar, as crianças colocavam pepinos, milho verde e frutas da estação em cestos de vime ou bacias para que o Menino Jesus os substituísse pelos presentes, pedidos a Ele em oração. E não podia espiar pela janela nem pelo buraco da fechadura da porta a chegada do Menino Jesus. Se o fizesse, Ele não viria com os presentes.
As crianças mal conseguiam dormir pelo estado de ansiedade antes do amanhecer do dia de Natal. Os presentes eram simples, mas, vias de regra, eram os pedidos. Os adultos se contentavam com as roupas e sapatos novos, comprados para o Natal. Sem surpresa.
Para aqueles que festejam o Natal, o significado maior são os objetos materiais, os presentes, as comidas, as bebidas, a ceia, o amigo secreto. A ansiedade é insuportável na hora de revelar o amigo secreto e trocar os presentes. As frustrações e decepções, em geral, também são grandes e constrangedoras. Não era o presente esperado. O vazio silencioso toma conta de muitos. Muitas vezes a compensação das frustrações é buscada na comida e na bebida. Costuma haver excessos, verdadeiras comilanças e bebedices inevitáveis.
Para aqueles que nem celebram e nem festejam o Natal, predomina a tristeza. Eles vivem a pobreza, a miséria. Sem lar e sem família, nem Deus está presente. Sem comida e sem presentes não há abraços, nem beijos. Não há o que celebrar, nem o que festejar. Não há amigo secreto, nem oculto. Não há ceia, nem bebidas. Há crianças sem brinquedos. Rostos sem risos e sem alegria.
É possível reinventar a humanidade? É possível projetar o futuro da humanidade diferente da humanidade que vivemos? A primeira atitude para superar esta humanidade é não aceitar a miséria, a desigualdade, a injustiça. Mas não basta proclamar um inconformismo verbal, pois ele só justificaria o nosso conformismo prático.
Muitos até vão achar que o Natal não é para pensar estas coisas. Preferem não pensar nas coisas tristes. No sofrimento de bilhões de excluídos, abandonados e pobres. Para eles o Natal é dia de celebração e de festa. Portanto, não há lugar e tempo para as reflexões sobre o futuro da humanidade.
Para estes e para todos vou oferecer um pensamento de Herbert de Souza, o Betinho, escrito no início dos anos 90: “a modernidade produziu um mundo menor que a humanidade. Sobram bilhões de pessoas. Não previu espaços para elas nos vários projetos nacionais e internacionais. No Brasil essa exclusão tem raízes seculares. De um lado, senhores, proprietários, doutores. Do outro, índios, escravos, trabalhadores, pobres”.
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
Interessante seu texto professor, retrata bem a nossa realidade.