MORTES POR BALAS PERDIDAS – EFEITOS COLATERAIS

É isso mesmo! As mortes de crianças nas favelas, por balas perdidas ou achadas certeiras, na visão dos gênios empoderados, são efeitos colaterais inevitáveis da guerra contra os criminosos.

Chefes de nações – do Brasil e do mundo – já disseram e declararam para o universo inteiro, que o morticínio de pessoas inocentes é o efeito colateral das operações dos homens fardados e armados, das balas perdidas, dos explosivos e das bombas fatais – uma normalidade nos campos de batalha nas favelas, nas periferias pobres, nas fronteiras de países invasores e rebeldes. Para matar criminosos é preciso aceitar a morte de inocentes – preferencialmente a morte de crianças indefesas e inofensivas.

Aqui, para incentivar o combate mortal aos “criminosos” – adversários políticos e opositores ideológicos – o presidente Bolsonaro costuma aparecer encenando gestos com as mãos engatilhando armas, apontadas contra os inimigos. O filho do presidente aparece em posição de sentido ao lado do pai, de pijamas, após uma cirurgia no hospital, com uma arma real na cintura. Cena grotesca aterrorizadora incentivando a luta armada, a violência. O governador Witzel aparece com os punhos das mãos fechados, dando murros ao vento em comemoração a mais uma morte por eficiência das operações super armadas nas favelas. Uma homenagem aos combatentes fardados, pela pontaria perfeita e bala certeira nos muitos criminosos e pelas balas perdidas nos muitos outros inocentes – as crianças são as vítimas mais tristes. Eduardo Bolsonaro, em foto na frente do monumento pela paz na ONU, fez gestos de armas com as mãos – um gesto obceno, cruel, uma agressão aos princípios vitais do universo. Gestos iguais ao próprio pai.

Examinar, analisar, comentar, noticiar asneiras destes atores destrambelhados é ato deprimente. Dá vontade de chorar, além de protestar e se rebelar.

Uma dúvida atroz: estas atitudes dos Boldonaros são genéticas? Pai e filhos querem seduzir as multidões – os ingênuos, acima de todos – com falas e gestos encenados grotescos, toscos e obscenos. Na atual filhocracia brasileira não há negociação, nem tolerância mutua. Pior, não existe planejamento participativo democrático. Tudo se decide e se resolve na e pela impostura, na articulação chantagista de pai e filhos.

Com esta bolsocracia, as conquistas democráticas – instituições democráticas do Brasil: executivo, legislativo, judiciário, organizações não governamentais da sociedade civil – são as vítimas fatais. Sempre, ao gosto, sabor e tempero das elites de extrema direita conservadora.

Por conta e força da filhocracia bolsonarista, as medidas são cada vez mais assustadoras e destrambelhadas: liberação total das armas para o uso em defesa e ataque pessoais; liberação dos agrotóxicos – venenos! – sem fim e sem limites; incentivo à destruição ambiental por conta e ganância do agronegócio exportador, com a desativação dos órgãos públicos de investigação, controle e fiscalização do meio ambiente. O ultraliberalismo contemporâneo privilegia a maximização dos lucros do capital da minoria, eleita para ser rica, em detrimento do ecossistema global – uma ameaça à sobrevivência do planeta – o bem comum de todos. O nosso modelo de agronegócio exportador é o principal responsável pelo desmatamento da Amazônia e do Brasil.

Neste cenário de tragédias e falas grotescas e toscas, de quem tem o dever de falar e dizer palavras de educação, amor, respeito, é triste, desolador, nojento ouvir a fala do Witzel: “é indecente usar um caixão como palanque, especialmente de uma criança”. Ao dizer isso, do jeito que falou, o governador não sabe que já usou o caixão da menina de 8 anos – criança Agatha – de palanque eleitoral?

Diante das tragédias, as manifestações e as falas das autoridades – governador Witzel, ministro Moro… – são estímulos à violência policial.

Witzel se elegeu governador do Rio na onda antipolítica. Agora, associa o caixão de uma criança, assassinada por policial, a um palanque de campanha eleitoral. O ministro Moro se manifesta e fala numa linguagem jurisdicional indigesta, inexata, imprecisa, ambivalente, de múltiplas interpretações para dizer que se trata de uma situação de  “perigo”, de “ameaça”, de “indícios de violência”. Como se uma criança, brincando de boneca de plástico dentro de uma kombi, fosse uma ameaça aos policiais. Deu a entender que o policial disparou o fuzil contra Agatha em legítima defesa e proteção da operação de combate aos criminosos.

Para entender o caso do Witzel, nada melhor que a parte final do poema de Berthold Brecht:

O analfabeto político

É tão burro que se orgulha

E estufa o peito dizendo

Que odeia a política.

Não sabe o imbecil que,

da sua ignorância política

Nasce a prostituta, o menor abandonado,

E o pior de todos os bandidos,

Que é o político vigarista,

Pilantra, corrupto e lacaio

Das empresas nacionais e multinacionais.

 

Senhores analfabetos políticos, por gentileza, leiam e aprendam essas lições para o bem próprio e o bem de todos.

E porque vocês ministros da justiça, juízes, promotores, procuradores não falam uma língua clara, nítida, exata, precisa, compreensível, inteligível, leve e consistente para todos entenderem o que vocês escrevem, falam e dizem, assim como Ítalo Calvino ensinou? E lembrem-se das lições de Graciliano Ramos: “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso. A palavra foi feita para dizer”.Ah!, a palavra é prenhe de ideologia. Por respeito à ética, digam a verdade às claras.

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.