Mon Dieu, donnez moi la médiocrité!

Nada melhor do que o enunciado de Mirabeau para invocar a Deus que me conceda a mediocridade necessária para viver os próximos poucos anos que me serão dados viver. Depois dos setenta anos, para a nossa geração que nasceu quando a previsão de vida no país era de 64 anos, cada ano é um lucro. Estou no lucro.

Mas mesmo assim, maduro, não aprendi a aquietar-me. Sempre pensei que manteria meu lema até o final: a capacidade de me indignar.

Agora peço outra graça, que esta com que convivi a vida toda precisa ser suplantada, represada, até desaparecer. Preciso da graça da mediocridade!

Uma mediocridade ao estilo Dias Toffoli, Rosa Weber, por Deus… mas se não sou digno de tanto, que seja a mediocridade de um Gabeira. Se ainda assim, senhor Deus, achais que peço muito, me serve a mediocridade ignorante do eleitor de Jair Bolsonaro, aquele que sendo mestre de obras e aceitando serviços esporádicos de uma reforma aqui, outra acolá, pensa que é empresário!

Ainda assim é muito? Então que seja a mediocridade do ajudante de pedreiro que trabalha para o mestre de obras, que trabalha para o pequeno empresário, que trabalha para o grande empresário que trabalha para o banqueiro que paga a todos os medíocres o mínimo para que sobrevivam para o adorar, venerar e votar como os banqueiros querem, como os grandes empresários querem, como os pequenos empresários querem, como o mestre de obras quer, como o ajudante de pedreiro não quer, mas que obedece.

Dai-me, pois, também a obediência do ajudante de pedreiro. Mas me deixai, senhor, continuar a ver meus filmes, escutar minhas músicas, ler meus livros. E continuar a escrever aqui mesmo que seja para apenas eu mesmo me ler.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.