Quando eu escuto a barulheira horrível
do trem que vem chegando na estação,
penso até que ele é vivo, ele é sensível
e que possui também um coração
No seu doido barulho e fumaçando
mostra um gesto de grande autoridade,
é que o trem revoltado está raiando
contra a falsa e cruel humanidade
Quando parte soltando um grito agudo,
os passageiros vão fazendo acenos
e ele correndo vai levando tudo,
pretos, brancos, mulatos e morenos
Todos respeitam a passagem dele,
ninguém ri, ninguém chinga, ninguém zomba,
pois a linha é somente para ele
sempre foi respeitada a sua tromba
Constante faz o seu trajeto além,
tendo em cada parada uma demora,
muitas casas sabemos que ele tem
e em nenhuma das mesmas ele mora
No seu apito quando vai partindo
há um misto de mágoa e tristeza,
é que o trem revoltado vai sentindo
a miséria sem trégua da pobreza
Eu me sinto surpreso e pensativo
vendo o trem quando chega na estação
e tenho a sensação de que ele é vivo
e que possui também um coração.
(Patativa do Assaré. Aqui tem coisa. S. Paulo : Hedra, 2004)
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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