MICHEL TEMER, O ELEFANTE AJAEZADO

A semana que ora finda foi extremamente rica em acontecimentos que definirão o futuro breve a que nos submeterá o novo regime que se efetivará depois da encenação do Senado na condenação sem crime de uma presidenta para retirar o adjetivo “interino” que se segue ao nome de Michel Temer, para que se torne simplesmente “presidente”. E viaje tranquilo para o encontro do G-20, ainda que saiba de seu isolamento internacional que ficou óbvio na abertura das Olimpíadas: dentro os poucos chefes de Estado ou de Governo presentes, nenhum quis confraternizar com Temer em seu “camarote vip”, que ficou lotado apenas por seus acólitos.

Sempre ouvi a expressão “elefante ajaezado”, isto é, cheio de panos coloridos e penduricalhos dourados. Tudo para chamar atenção do distinto público que acorreu ao circo. Pois tirada a interinidade, Michel Temer se torna um presidente ajaezado. Os holofotes o iluminarão e enquanto assistiremos ao espetáculo que se desenrola no picadeiro da política pequena do toma lá dá cá neste circo a que fomos reduzidos a viver, sob a barraca os agentes de segurança do regime atuarão com liberdade, sem coreografias, para atingir as metas para as quais toda a encenação foi montada.

Trata-se de fazer com pressa tudo o que for necessário para que nada fique para trás: vender o patrimônio que nos restou num novo ciclo de privataria, não sem as benesses próprias e privadas das negociações e vendas realizadas; reforma da previdência que governo e imprensa insistem em afirmar que é deficitária, sempre escondendo que toda a arrecadação que por lei se destinaria a ela é desviada para outros fins; a reforma trabalhista que introduzirá o princípio de que todo o negociado é superior ao legislado, de modo que o Estado declinará de uma de suas funções básicas desde sempre, o de mediador das relações sociais e no caso das relações entre capital e trabalho; decretar o fim do aumento real do salário mínimo (e abusivo segundo a expressão do guru neoliberal Mendonça de Barros, ex-ministro de FHC) que muito mais do que o Bolsa Família trouxe para as benesses do consumo uma população que deles esteve sempre alijada; aumentar o nível do desemprego, como apregoou o mesmo ex-ministro, para retirar do mercado de trabalho esta pressão inadequada por salários mais elevados em prejuízo dos lucros do capital (lembrem-se, Temer já disse que é preciso cuidar dos lucros porque houve recentemente excesso de cuidados com as rendas do trabalho); manter a política de rentabilidade elevada, através dos juros mais altos do planeta, para o capitalismo financeiro, política que desestimula qualquer investimento em outras atividades porque nenhuma delas produz resultados tão satisfatórios quanto à renda sem incômodo das aplicações financeiras. Isto não é tudo, mas é muito coisa para pouco tempo. Por isso , há de haver pressa e há necessidade de brilhos no picadeiro para desviar as atenções do distinto público.

Enquanto assistimos ao espetáculo que se iniciou na interinidade, os acontecimentos vão se dando e para quem liga uma notícia a outra, a compreensão vai se aprofundando e a percepção de que o poço que cavarão será profundo vai engasgando a todos. Obviamente, as notícias não são articuladas e uma não faz referência a outra para que esta compreensão não ocorra, porque não compreender os fatos é tudo o que deseja a imprensa comprometida com os mesmos objetivos dos “agentes de segurança” do novo regime jurídico-policial em que estamos vivendo. E esta semana foi rica destas notícias esparsas mas articuláveis entre si. Vamos a apenas quatro delas:

1. Domingo, dia 21/8, a imprensa noticia que levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas mostra que os salários percebidos por juízes e procuradores vão muito além do teto legal. E que suas remunerações são superiores àquelas pagas para as mesmas funções até mesmo na matriz do império, os EEUU. Todos já sabíamos disso, mas a grande imprensa sempre se calou. Pois agora noticiou. Na segunda-feira Gilmar Mentes, o magistrado do STF nas horas de folga que lhe permite a militância no PSDB, repercute a afirmação de Romero Jucá, o articulador político de Michel Temer no Senado de que era preciso “estancar a sangria” da Lava Jato – lembremos as esquecidas gravações de Sérgio Machado -, declarando que “é preciso colocar freios na Lava Jato”. Note-se que a metáfora provém do mundo das fazendas e da pecuária. Gilmar Mentes é proprietário de fazenda. E pasmem: no mesmo embrulho da afirmação, aparece como justificativa ilógica e incoerente os salários de juízes e procuradores, considerados por ele como “um modelo de gambiarras institucionais”. Obviamente entre a notícia de domingo e a ação de Mentes na segunda não há qualquer articulação… Afinal a imprensa e os porta-vozes do regime não há qualquer vínculo.

2. Enquanto Michel Temer, todo ajaezado, bajula senadores no Palácio do Planalto, apontando para a possível criação de um novo ministério da desburocratização – como já houve no governo FHC – e logo se dirige a um senador específico (seria o futuro ministro?) – sempre preocupado em aumentar o placar dos votos a favor do impeachment em troca de alguma benesse (lembrem que o voto do Romário valeu uma indicação para a diretoria de Furnas), Eduardo Cunha manda dizer-lhe que não admite ser cassado. Então, sob a lona do circo, o advogado de Eduardo Cunha é nomeado para assessor do Gabinete Civil, órgão por que passam todas as sinecuras do poder! Temer teme Eduardo Cunha. E sabe que o custo do seu silêncio será bem menor do que o custo da compra de votos na Câmara de Deputados. Há um prazo razoável para as negociações, pois o distinto público estará ocupado em digerir o fim do mandato da presidenta eleita pela maioria dos eleitores. Cargos – e alguma coisinha por fora – são mais baratos do que a compra do silêncio de Eduardo Cunha, que sabe o valor do dinheiro e o que ele pode comprar. Entre a nomeação do advogado de Cunha para o lugar estratégico das nomeações e a bajulação de deputados e senadores não há qualquer vínculo, como se sabe…

3. A máquina trituradora de reputações trabalha a todo vapor. A revista Veja, sua mais lídima representante, abriu baterias contra Dias Toffoli. Ainda que as biografias possam não ser ilibadas, a ninguém é dado o direito de enlamear reputações enquanto acusações não sejam investigadas e confirmadas. Só a imprensa se considera livre deste dever mínimo de respeito pelo outro. O ministro do STF pediu a OAS uma vistoria em vazamentos (esta palavra se tornou extremamente comprometida) em seu apartamento. Depois encomendou o serviço de impermeabilidade a suas custas. Pois o executivo da OAS faz referência ao fato. Bastou para que as manchetes fossem impregnadas de implícitos colocando o ministro entre os delatados. Como Gilmar Mentes reagiu, o que espera a imprensa é que esta reação seja uma defesa de Mentes de seu acólito Dias Toffoli. Mera ilusão de ótica. Gilmar Mentes visa mais alto: o esquecimento de qualquer delação a membros de seu partido. Aécio está quietinho, quietinho. Serra como queridinho da imprensa sabe que será para sempre ilibado e libado: Basta ele dizer que é mentira, que tudo vira mentira mesmo. Nenhuma ligação entre os fatos, como é óbvio.

4. PSDB e DEM fazem seu jogo de cena e ameaçam retirar-se da base do governo -ao mesmo tempo em que votam em propostas de interesse do governo como a desvinculação de recursos no orçamento, tudo porque estão achando o “pacote de bondades” de Temer exagerado, agradando a alguns setores estratégicos para sua elevação e coroação como “elefante ajaezado” (elefante porque tudo o que fez até agora está tornando o estado muito mais gastador do que era antes e ajaezado porque precisa ludibriar o distinto público do circo em que nos é dado viver) como é o caso na magistratura… O aumento dos salários, que produzirá aumetnos em cascata nos estados, é o motivo da bronca do PSDB e do DEM que ameaçam abandonar o barco se Temer não se posionar com clareza contra este aumento.

Pois liguem os fatos: a notícia do salário dos juízes de domingo; a inclusão do amigo e acólito Dias Toffoli entre os delatados; a ação pirotécnica de Gilmar Mentes, expoente do PSDB; a nomeação do advogado de Eduado Cunha para a Gabinete Civil da Presidência da República, e esta ameaça de faz de conta do PSDB e do DEM, e temos todo o espetáculo ofuscante enquanto se tomam providências reais para atingir as metas reais apontadas anteriormente, estas que não ocupam as manchetes e às vezes aparecem no noticiário econômico. Fiquemos atentos a elas… 

 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.