Meu pai tinha um papagaio

Os papagaios que habitam a Ilha Bela estão aparecendo em voos baixos pela praia de Barequeçaba! Estranho. Antes saíam da ilha para o continente, em voo alto, pela manhã, e seguiam direto para a reserva da mata atlântica que nos rodeia. Agora, deram para voar baixo, e ocupam em estardalhaços árvores da praia (embora fiquem em “chapéus de praia”, infelizmente não escolheram aquela que está em frente à minha casa). No seu palreio, voam agora o dia todo ocupando o espaço do céu e bem próximos de nós. São papagaios adultos, grandes! Verdes e bonitos.
Esta presença me lembrou que meu pai tinha um papagaio. Parece que vivia esfomeado, porque sempre estava dizendo “papá pro rico!”. Tinha uma gaiola, pequena, como se fosse passarinho dos menores. Mas tinha a porta aberta. Andava por onde queria. Não sei quem conversava mais com ele, a mãe ou o pai. Uma companhia numa casa de onze filhos, com apenas um deles em casa!
Havia um momento em que o Rico ia para a gaiola, a portinhola fechada: quando um dos meus sobrinhos, criança, chegava e gritava do portão: “prendam o papagaio!” Em algum momento ele e o papagaio se estranharam, e desde então o Rico o perseguia furioso. Basta ele chegar para o Rico ficar inquieto, ranzinza… e ainda por cima, preso.
Pois quando me aposentei, comprei casa na praia, quis imitar meu pai. Queria um papagaio! O primeiro que ganhei foi um papagaio de madeira, feito pelo artesão da vila, o Nicinho! Tânia e Zé Luís me trouxeram o presente. Foi devidamente pendurado num pé de primavera, que vive florindo mesmo fora de estação! O papagaio está lá, mas não fala, não faz companhia… só embeleza!
E eis que certo dia ganho de minha mulher, a Corinta, um papagaio de verde. A oportunidade de comprá-lo apareceu quando estávamos visitando as netas, na Dinamarca. Vista a foto, imediatamente elas lhe deram um nome, meio estranho para nós: Matiné. Não temos a menor ideia donde veio este nome que lhe deu a Sophia, imediatamente secundada pela irmãzinha Laura. Onde teria ouvido essa palavra?
A compra foi feita à distância, o papagaio foi entregue e quem o levou para sua própria casa foi nossa Nilda. Retornados da viagem, fomos buscar o papagaio já acostumado com a nova morada e com outro nome – Tê-Tê. Eu queria tomar posse do “meu” papagaio! E chamar-lhe com o nome que lhe deram as netas, naturalmente.
Em casa, deixou de falar! Embora acostumado a “dar o pé” a todos que o chamassem de “amigo”, nada quis comigo! Decepcionado e sem calma, certo dia o obriguei a ficar no dedo: levei uma boa bicada!!! E tive dificuldades para abrir o bico do bicho: se aferrou num dos meus dedos que já começava a sangrar.
Resumo da história: o papagaio voltou para a casa da Nilda! E nós nos sentimos obrigados a lhe dar uma mesada… E falava que dava gosto. Nilda contava: “quando chego em casa, ele começa a gritar “mamãe chegou!” “mamãe chegou”… Claro que mantive meus ciúmes por esta relação incestuosa… mas fazer o quê? O bicho não queria comigo. Aposentado como meu pai, fiquei sem papagaio!
Pois o Tê-Tê fugiu… foi embora. Falante, deve ter se reunido ao palrar dos papagaios de Ilha Bela, na melhor das hipóteses. Na pior, algum vizinho o capturou e jamais entregará, como costuma ser pelas bandas.
Estamos sem papagaio, com uma multidão de papagaios palrando por cima de nossas cabeças. E estamos felizes em vê-los livres, sem aprender a falar como gente, numa língua que não é deles.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.