Me chame pelo seu nome

O romance do egípcio, radicado em Nova York, André Aciman, serviu de base para o filme do mesmo nome (dirigido por Luca Guadagnino, roteiro de James Ivory), aclamado pela crítica e considerado um dos dez melhores filmes de 2017.

O enredo, em si, não é complexo: os pais do jovem Élio (17 anos) recebem anualmente, em sua “quinta” na Riveira italiana, pesquisadores universitários que, no verão, se dedicam a seu trabalho de pesquisa ou à tradução de seu trabalho para o italiano (como foi o caso) e em troca ajudam ao dono da casa em sua correspondência e com seus papéis. No ano focalizado pelo romance, Oliver vem da Nova Inglaterra para acompanhar os trabalhos de tradução de seu livro sobre Heráclito. Desde que ele chega, Élio passa a sentir uma atração irresistível pelo jovem professor. Oliver, inicialmente, lhe dá poucas chances de aproximação, tempo em que o desejo cresce em Élio.

Neste sentido, parece-me, que este é um livro sobre o desejo. E no caso um desejo a que ao mesmo tempo a personagem se entrega e recusa. Enquanto isso, Oliver convive com garotas e mesmo Élio acaba tendo um relacionamento com Márzia. Mas ele remói no quarto sua vontade de estar com Oliver e seu medo de ser rechaçado. São suas reflexões, sua vontade de reprimir o desejo e ao mesmo tempo de demonstrá-lo que ocupam praticamente todo o romance. O ponto de vista que orienta todo o desenrolar desse tempo é extremamente feminino: é a presença do outro que ele deseja, é a pele do outro que deseja, e também, ser penetrado e penetrar o corpo do outro. Penso que este ponto de vista é feminino, porque os meandros do desejo vasculhado por Élio, suas suspeitas e suas dúvidas, não têm a conquista como ponto de partida, mas a sedução e o desejo de ser seduzido.

É quase no final da temporada de verão que o casal acaba se encontrando e Oliver confessando que desejava Élio desde o dia em que desceu no táxi, chegando a sua casa. Vêm então as cenas de amor entre ambos. E então aparece a razão do título: a relação é tão forte que os nomes são trocados. Oliver se torna Élio, Élio se torna Oliver.

Estas cenas que não passaram desapercebidas pelo pai de Élio, que lhe fala sobre isso, de início sub-repticiamente, mas logo explicitamente. O pai diz que a amizade entre ambos era algo raro de acontecer na vida, mas que no futuro viriam tempos difíceis para Élio.

A despedida de ambos se dará em Roma. O pai de Élio reserva um hotel para ambos que fazem uma “espécie de lua-de-mel” ao inverso: um tempo de despedida. E neste  tempo Élio conhece o ambiente de intelectuais, de artistas, de poetas: tudo dá a entender que este será o futuro ambiente de Élio.

Depois de quase vinte anos, estando Élio nos EEUU, visita o amigo Oliver, casado, com dois filhos adolescentes.  O desejo permanece vivo, mas nada acontece neste encontro. Vinte anos depois, Oliver visita a quinta na Riviera, reencontra Élio cujo pai já havia falecido. É o final do enredo, quando todos os indícios levam o leitor a concluir que mais uma vez o casal se unirá durante este breve tempo de reencontro.

Ainda não vi o filme, mas certamente transformar o desejo em tema fílmico exige dos atores uma capacidade de manifestar corporalmente, externamente, o que é interno. E no caso, um desejo que é motivo de recalque em função dos preconceitos em relação à homossexualidade. Pelos prêmios que receberam os atores, certamente eles e o diretor conseguiram um feito espetacular.

Um belo romance, sem dúvida!

Referência: André Aciman.  Me chame pelo seu nome. Rio de Janeiro : Intrínseca, 2018.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.