Lula não voltará à presidência

Acompanho com interesse e alegria, como grande parte da esquerda brasileira, o percurso de Lula pelo Brasil, nesta caravana iniciada pelo Nordeste. Como todos os outros, espanto-me com o carinho que lhe dedica a população nordestina, nas grandes e nas pequenas cidades.

Também ri do triste papel da justiça baiana, ao proibir a entrega do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano: a inveja percorre as cortes, como sempre. Triste papel. Aliás, se esta mesma justiça fosse acionada, tentaria retirar-lhe os títulos que recebeu no exterior. Ora, se houve durante os governos petistas uma política educacional, foi precisamente na área do ensino superior, incluindo o ENEM como forma mais democrática de acesso às universidades (infelizmente, nos demais níveis aprofundou a política neoliberal).

Lula e seus assessores escolheram um roteiro de defesa contra os desmandos de Sérgio Moro, um roteiro não jurídico. O anúncio de sua candidatura à presidência quando saiu a já esperada e sabida sentença de Moro fez parte desta tática. Certamente há outras do ponto de vista jurídico, mas seus advogados continuam apostando que a lei impera quando o que impera é o objetivo final e absoluto do golpe de 2016.

A elite brasileira e o Departamento de Estado norte-americano, com seus organismos de perseguição a lideranças que não rezem pelo catecismo dos interesses daquela nação, aliado aos sistemas de cooptação de brasileiros através de cursos oferecidos inclusive a juízes – Moro é aluno frequente – não realizariam um golpe de estado, retirando uma presidenta eleita sem que houvesse crime de responsabilidade, para virem a morrer na praia! De jeito nenhum!

O golpe seria inútil se o caminho do retorno de Lula e do PT ao governo permanecesse aberto. Não se trata, na verdade, simplesmente de uma pessoa. Trata-se de um projeto de nação com desenvolvimento e com desenvoltura para participar, junto com outros países, na formulação de políticas alternativas. Os EEUU detestam os BRICS! Uma união de países do porte da Rússia, China, Índia, África do Sul e Brasil, criando inclusive um banco de investimento próprio, é tomado nos EEUU como uma afronta. E principalmente é tomado como ofensa ao sistema financeiro internacional. Países como estes poderiam começar a regulamentar o fluxo de capitais, à medida que se tornariam independentes das políticas das grandes corporações financeiras, política que responde a um só nome: lucro exorbitante mesmo custando vidas humanas e mesmo reduzindo a civilização a um arremedo de si mesma.

É isto o que está em jogo. Políticas de inclusão, como aquelas praticadas nos governos petistas, são até aceitáveis. Mas uma política que vá além na distribuição de rendas, que vá além das fronteiras delimitadas do país, isto é inaceitável para os organismos que hoje somente servem ao capital especulativo.

Qualquer criança brasileira já sabe o teor da decisão do TRF de Porto Alegre: os desembargadores manterão e talvez até aumentem a pena aplicada a Lula por ser “o proprietário de fato” do tríplex de Guarujá, mesmo este bem fazendo parte do patrimônio e das garantias oferecidas pela OAS, de propriedade do delator Léo Pinheiro, aos seus muitos credores. Não importa, porque a verdade, num golpe, não importa.

Havia dois caminhos possíveis para eliminar a política que a pessoa de Lula representa: um atentado físico que o levasse à sepultura (porque não havia nem há qualquer possibilidade de um suicídio) ou sua condenação como criminoso, condenação esta acompanhada de um martelar constante da mídia para fazer o povo crer na palhaçada em que se tornou certa justiça brasileira, de juízes soberbamente bem pagos (eles sempre têm férias para vender, porque além dos dois meses de recesso, têm mais dois meses de férias para porem à venda). A chamada República de Curitiba, na verdade a longa vara de Sérgio Moro, bem treinada nos cursos e compartilhamentos de informações nos EEUU, está aí para prestar este serviço. E o prestará com exatidão. É sua parte no jogo do golpe.

Os desembargadores do TRF da 4ª. Região não vão negar fogo: porão Lula na cadeia. E ele será proibido de participar das eleições de 2018. E o pior é que a tática de defesa não inclui qualquer plano B capaz de manter viva a chama de uma proposta de nação. Aliás, a presidenta do PT diz isso alto e bom som: Nosso plano A é Lula, nosso plano B é Lula e não há outro plano. Se não há, a caravana de Lula pelo Nordeste deve ser entendida como a despedida de um grande líder popular de seu povo. É o que estamos assistindo de fato.

Terei um gosto imenso de reconhecer, e espero ardentemente reconhecer, que minha análise de hoje não se confirme no futuro de 2018.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.