Lula na estrada, mas contenhamos as alegrias

A soltura de Lula, que não foi uma vitória da sua inocência, mas resultado do reconhecimento dos ministros do STF de que andaram errando na interpretação da letra da lei constitucional, representará uma mudança de patamar na discussão política. Algumas de suas primeiras afirmações depois da soltura com o cumprimento da Constituição por quem a deve salvaguardar mostram que Lula trará algo novo para o marasmo das reações cotidianas aos descalabros vocabulares e aos descalabros na economia brasileira.

Em primeiro lugar, seu apreço pelo resultado das eleições de 2018: aceitamos o jogo, devemos aceitar os resultados. Tivemos candidato derrotado. Seu respeito pelos votos chega à beira da incompreensão para quem foi retirado do cenário eleitoral por um juiz que, nas palavras do presidente eleito, estava cumprindo uma “missão”: por na cadeia o candidato que venceria as eleições.

Assim, reconhece Lula que tendo sido afastado e tendo tido seus direitos desconsiderados por todas as cortes – do Superior Tribunal Eleitoral ao Supremo Tribunal Federal – mas tendo apresentado candidato, não pode deixar de reconhecer o resultado do pleito.

No entanto, reconhecer o resultado não é aceitar o processo: ele apontou a falcatrua das mentiras, a que se deu o nome bonito de Fake News, que circularam durante o processo eleitoral; ele denunciou o não cumprimento da lei – quer pelos financiamentos não confessados quer pelo STE, então presidido pela impávida Rosa Weber. Neste tribunal, houve até um ministro que recusando investigar as Fake News e as mentiras propaladas nas redes sociais chegou a trazer o argumento inacreditável de que nas redes sociais uma mentira pode ser desmentida pelo adversário, de modo que nada precisava ser investigado. É de se perguntar se este mesmo ministro, se acusado de ter violentado a própria filha, não consideraria a mentira uma injúria que não necessitasse de investigação e condenação do ‘internauta’. Provavelmente ele se contentaria com um desmentido feito por ele mesmo, e tudo estaria encerrado, seguindo a lógica do seu voto naquele momento.

Em segundo lugar, Lula mostrou que não se pode baixar o nível na discussão política. Se o atual governo e seus seguidores ou mentores tem pelo palavrão sua preferência, não cabe à oposição usar o mesmo vocabulário. A bronca de deu do alto do caminhão de som quando o público começou a mandar o Bolsonaro a tomar no cu é exemplar. E mais digno de nota ainda é ter dito: Bolsonaro já é em si um palavrão!

Em terceiro lugar, ao alcunhar o todo poderoso Paulo Guedes de destruidor de sonhos, mandou o recado de que não rezará pela cartilha do neoliberalismo, que está se mostrando inviável em todos os cantos do planeta, coisa que o ministro de abissal ignorância não consegue perceber… afinal, convivendo com colegas que acham que a Terra é plana e com outro que se tornou um capacho sem coluna vertebral, neste ambiente a incapacidade de enxergar o mundo deve ter influência sobre a cegueira de Paulo Guedes, para quem as pessoas que vivem com uma renda de R$ 413,00  têm o grave defeito de não economizarem… e entregarem sua economias ao ricos banqueiros.

Em quarto lugar, Lula pôs cada “i” debaixo de seu pingo: este é um governo de milicianos para milicianos. Somente o ex-juiz não enxerga, não pode enxergar e jamais enxergará: ele depende do amante dos milicianos para permanecer no posto.

Por fim, fiquemos de orelha em pé e olhos abertos: Lula não foi inocentado; Moro não foi declarado parcial – e pelos votos já dados na segunda turma do STF, não será declarado parcial, anulando os processos que julgou. Lula poderá voltar para a cadeia pela mão dos facchins, barrosos, carmens e fux, secundados por toffolis e rosas…

E mais: os milicianos não mandam matar. Matam! E Lula nas estradas do Brasil será alvo fácil para profissionais da morte. Tenhamos, pois, cuidados e alegrias contidas.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.