Lula: livre, mas inelegível

O golpe é de mestre. A justiça, aparentemente fazendo direito e escrevendo torto, realiza parte da demanda popular que se manifesta pelo país desde a prisão de Lula. Julgará favoravelmente o recurso impetrado pela defesa de Lula e na sexta-feira, tudo indica, Lula sairá do cárcere em que foi isolado por muitos dias por um juiz e uma juíza que recusou visitas até de um Prêmio Nobel da Paz.

Um golpe de mestre: Lula sai mas é inelegível. O golpe se aprofunda, e os movimentos populares que estavam nas ruas refluem, os acampados voltam para casa, o delegado Gastão Shefer Netto (como gastão, teria gastado muito na véspera?) poderá dormir em paz. Ficaremos livres de ver cenas repugnantes, como a da segurança que ofereceu a PF ao seu colega Gastão, que depois de criar tumulto, voltou ao acampamento para fotografar descaradamente os manifestantes, num gesto típico da polícia nazista, numa ameaça do tipo “vou te pegar!”.

Com uma só cajadada, o golpe do judiciário terá dois resultados: a desmobilização popular pelo desaparecimento do apelo de Lula preso; e a inelegibilidade garantida pelos mesmos ministros, para acalmar os ânimos das patentes maiores e dos rentistas menores. Golpe de mestre: liberta aprisionando; cala tirando a esperança.

Quem perderá com o julgamento que libertará Lula? Antes dos ganhos, registremos duas derrotas: do juiz Sérgio Moro e da juíza Carolina Moura Lebbos. O primeiro por sua arrogância e absoluto desprezo pelo direito positivo; a segunda porque perderá seus objetos de prazer sádico, os requerentes visitantes a que deu solenes NÃOS e o visitado que, assim recusadas as visitas, estava de fato em isolamento, numa solitária. Tinha TV? Por deus, que TV livre é um tormento… Já imaginaram Lula vendo o JN?

Quem ganhará? Em termos humanos, Lula sairá alegre e carregado nos braços do povo, como foi carregado foi quando se apresentou para ser preso. Fará em Curitiba outro discurso histórico a ser paginado junto ao discurso proferido em São Bernardo. A liberdade é uma conquista, não jurídica, mas popular.

Mas estará feliz o homem que quer voltar à presidência para reacender a esperança de um povo que somente teve um espasmo de vida decente durante seu governo? Como a justiça não anulará o arremedo de processo conduzido por Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, como mostraram as fotos do MTST de dentro do famoso tríplex, como o manterá e o usará para barrar a candidatura de Lula.

Barrada a candidatura e com os movimentos sociais recolhidos à rotina cotidiana da aparente insensibilidade social, restará avançar no balão de ensaio que teve em Jacques Wagner o protagonista principal. Ninguém me convencerá que um político experimentado como ele tenha agido de “motu próprio” indo ao encontro de Ciro e Delfim Neto (que assinou o AI-5 e é amiguinho da direita malufista) e que tenha aventado a possiblidade de um PT unido a Ciro Gomes. Ora, ora… Jacques Wagner esteve na primeira lista de visitantes (depois que a Dra. Carolina Lebbos foi desmoralizada pela reportagem da revista OIA). Por quê? Alguns dizem que foi para ser enquadrado por Lula… minha hipótese é outra: foi dar conta da rejeição ao balão de ensaio da conciliação.

Aí está a palavra-chave. Conciliação. Politicamente ela encontrará o alfaiate principal: Lula. Para costurá-la até outubro, Lula precisará estar livre. Uma grande Frente Ampla – ao estilo do que foi a Frente Ampla pelas Diretas-já – reunindo gregos e troianos, para uma “pacificação” do país e seu reencontro com seu destino glorioso, aquele sempre no horizonte mas que jamais se concretiza porque nada se muda, os sobrenomes de famílias continuarão os mesmos; 6 bilionários continuarão a ter a renda de 100 milhões de brasileiros.

Minha esperança é que da Frente Ampla não venha participar FHC, que anda calado precisamente para estar disponível nesta costura!!! Afinal, todos sabem que FHC não gosta muito de Geraldo Alckmin – que diante da Frente Ampla poderia até desistir da candidatura em troca de algum ministério.

Isto tudo se algum comandante do exército não mandar a Madre Superiora da Abadia do STF suspender toda uma turma e convocar os outros punitivistas da corte a darem uma lição de socos verbais aos quatro juízes que se atreverão, na sexta-feira, à insubmissão ao Chefe do Judiciário Nacional, toda fonte da lei, o Dr. Angélico Sérgio Moro, a que até o comandante se submete mesmo sem saber.

Que deus nos livre do comandante e da Frente Ampla que inclua até mesmo o PMDB de Michel Temer (afinal, não se pode dizer que não haja entre os rufiões e ladrões gente digna como o Senador Requião); o PSDB de José Serra e FHC (históricos “homens de esquerda” que voltariam às origens sem culpa nem arrependimento); o PPS de Roberto Freire e Cristovam Buarque (estes servis ‘comunistas’) ; o PDT de Ciro Gomes (homem forte da antiga Arena); o PSB de Marina Silva (a mais abjeta de todos). E tudo como se fosse uma “frente de esquerda”.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.