Tomo emprestado um enunciado do poeta paraibano Políbio Alves em entrevista ao jornal QO Questão de Ordem (Jornal Laboratório da UFPB, João Pessoa, Julho de 2018), para título desta crônica em que preciso, para não morrer de silêncio, dizer algo sobre o depoimento do Presidente Lula à juíza substituta da 13ª. Vara, aquela que foi e continuava sendo do Sr. Sérgio Moro, que somente se exonerou do cargo depois que o depoimento foi tomado por sua arrogante súdita (ops! Substituta). Acontece que a sentença já está escrita em suas linhas mestras. E o processo não poderia cair nas mãos de um juiz daquela Vara, para qual qualquer juiz federal pode se candidatar. Assim, convidado e tendo aceito ser ministro, o Sr. Sérgio Moro, então o Torquemada de Curitiba e futuro carrasco-geral do país, em vez de seguir os comezinhos mínimos da ética, entrou em férias até que o depoimento de Lula fosse tomado. Depois disso, apresentou sua exoneração! Agora está garantida sua sentença, que juíza Dra. Gabriela Hardt terá o trabalho de autografar.
Reconheço: não tive estômago para acompanhar todo o depoimento. Foi me dando uma tristeza tão grande, mas tão grande que precisei desligar, ir mexer com as flores do meu jardim, tentar esquecer que vivo num país em que a arrogância tenha atingido tais limites de desproporcionalidade entre as exigências da liturgia do cargo e os compromissos ideológicos de condenação explicitamente assumidos e desvelados para qualquer um que conheça minimante o funcionamento da linguagem… Por várias vezes a defesa teve que tomar a palavra para corrigir a juíza que tomava como “fato” o que lhe tinha sido tido por qualquer dos delatores…
A cada vez eu me perguntava: será mesmo que juízes federais, formados em direito, advogados aprovados em exames da OAB, concursados e assumidos como juízes têm este “preparo” todo para tomar por fato uma denúncia que repita o script que lhe é passado pela procuradoria “investigatória” que ameaça ao desequilibrado que não lhe obedecer de suspender os “prêmios” da delação?
Poucos sabem, mas fiz um curso de direito… tenho um diploma de “Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais”. Naquele meu tempo, tive juízes e desembargadores como professores, além de advogados. Havia gincana, mas havia um pouco de vergonha na cara. E cada parte no processo tomava partido, mas ambas exigiam e supunham no julgador que mantivesse um mínimo de neutralidade. No depoimento de Lula, além de não ser apresentada pela denúncia qualquer prova de sua acusação, a juíza tomava por fato verdadeiro, por verdade insofismável, qualquer afirmação que fora feita antes, em outros depoimentos, por delatores ou até por testemunhas não tão premiadas, desde que seus enunciados correspondessem a santa verdade que o juiz-chefe a juiza-substituta erigiram como FATO.
Ouvi o maior líder popular do país, um ex-presidente respeitado no mundo inteiro, ser tratado com arrogância por uma juíza sem compostura. Vi um homem dilacerado porque sabe que morrerá na cadeia, que jamais será julgado segundo a lei e com base em provas. Chorei ao me deparar com a desesperança de Lula.
Já não há mais palavra de esperança de vida para um ex-presidente que a elite brasileira e os interesses econômicos da matriz querem sacrificar. Quando apareceram cartazes de que “Se Lula for preso, o morro desce”, imaginei que existia uma cidadania enfim revoltada. Mas o morro só desceu para votar a favor do fascismo.
Apunhalado pela desesperança, Lula definha nas mãos da polícia federal, de juízes sem toga e de juízes togados. O serviço será completo: não bastou afastá-lo da candidatura à presidência; é preciso destruí-lo, destroçá-lo: somente com seus restos ficará satisfeita a sanha do falso moralismo de uma elite e uma classe média que se vangloriam de não cumprir as leis, porque as leis são o que querem que sejam.
Dra. Gabriela Hardt arrotou poder e garantiu que autografará a sentença condenatória que está na gaveta há muito pronta para a assinatura: faz meses que Sérgio Moro sabe que será ministro primeiro da Injustiça e da Polícia e depois da Casa da Intolerância atualmente presidida pelo subcomandante Dias Toffoli.
Desculpem os leitores, mas tinha que “escrever para não morrer de silêncio”.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
Obrigado, Wanderley, pelo texto corajoso. Eu continuo com vontade de chorar. Abraços.
Professor, eu também chorei. Obrigada!
Faço minhas todas as suas palavras, todo o seu sentimento, toda a sua indignação. Choro agora, ao ler o seu belo texto, da mesma forma que chorei enquanto assistia à arrogante atuação da referida juíza, em sua tentativa de apagamento, de espezinhamento do nosso Presidente Lula.
Obrigado!
Como de costume, Geraldi, você põe em palavras aquilo que grita em silêncio torturado na minha garganta sufocada. Um dia eu falei aqui que há muitas Donas Marias que sentem exatamente a mesma coisa. Pois bem, a minha querida Dona Maria, nos nossos cafés da manhãs rapidinhos no meio da correria em que me encontro, tentando fazer história enquanto ela ainda tem h (como se, exatamente pela in-justiça que aqui tu desabafas, já não tivesse perdido…), chora comigo, em silêncio, cheia de desespero nos olhos que refletem os meus, marejados. A mim, roubaram a paz e a dignidade. A ela, roubaram a certeza de ter comida na mesa dos filhos criados com tanta dificuldade e que, somente nos anos áureos interrompidos em 2016, pode descobrir possível.
Larguei de mão todos aqueles que votaram pela barbárie. Não tenho estômago, não quero ter que ser condescendente, seja com família, com amores, com amigos… sem isso já são grandes demais os sapos a serem engolidos crus e a seco. Por isso, estou de luto.
Mesmo assim, seguirei, enquanto puder, reunindo semeadores de esperança nesse deserto que aumenta visível e dolorosamente nas nossas vidas, dia após dia.
Obrigada! por tudo, professor, amigo, mestre…
Querido professor, faço minhas as suas palavras…o choro de tristeza, indignação e desesperança é incontrolável. Jamais pensei que fosse viver para assistir esse circo de horrores em nosso país.
Escrever para não morrer sufocado pelo grito que temos na garganta, que não para de gemer; pelo corpo que não para de se contorcer… Obrigada, querido amigo.
Também chorei ao assistir o depoimento e choro agora ao ler seu texto. Obrigada por colocar em palavras o que sentimos diante dessa triste situação de nosso país.
Querido amigo, não consigo pensar no Lula, na tristeza e dor da situação que ele vive — e que se amplia sobre todos nós, perplexos, enojados, insones… e tudo o mais. Choro contigo. Saudades de nossas tão boas conversas.
Minha solidariedade total.
Rosa MAria
A meus queridos amigos que deixaram aqui seu comentário e sua sensibilidade, meu muito obrigado pelo incentivo para continuar a escrever. Beijos a todos.
Me entristece ver as centrais sindicais, líderes de partidos que se dizem de esquerda e a própria igreja católica abandonarem o Lula e de viés,a nós mesmos,à essa insanidae sem uma resposta e manifestação dioturnas! Foi o silêncio dessa turba covarde que não teve a coragem de nos convocar que abriu espaço para esses canalhas assaltarem a democracia e o Estado de direito pra ter caminho livre pra expoliarem o Brasil!
Obrigada professor pelas sábias palavras. Sinto-me triste com essa situação de nosso país. Continue escrevendo para não morrer de silêncio, pois assim me ajuda, ao ler, a não morrer de solidão!
Chorei quando o convenceram a se entregar (sim… ninguém é obrigado a se entregar). Chorei quando soube que autorizaram uma tv na masmorra (além do futebol, ele teria acesso aos telejornais). Choro a cada aparição do fascista eleito na tela do JN. Choro a cada nomeação dos membros da quadrilha. Choro quando imagino a dor de LULA ao ver que os brasileiros ficarão sem emprego, sem aposentadoria, sem médicos…SEM VIDA.
Choro quando penso que já tem “companheiros” se articulando para enviarem CARTÕES DE NATAL àquele que deveria comemorar o Natal nos braços do povo e de seus filhos, netos e bisneta. Por me sentir impotente, eu CHORO!
Wanderley, impossível ler seu texto e conter as lágrimas no rosto!Que barbárie vivemos nesse país com tantas vozes esbravejando ódio e não é qualquer ódio, é o de classe!Não tive “coragem” de assistir o depoimento porque sei que meu coração dói e de uma dor irremediável, a dor da desesperança, do medo.Com o capital e seus representantes, a burguesia, só resta uma boa bala, já tinha Brecht.