O recebimento de vantagens indevidas em troca de favorecimentos na gestão da coisa pública: eis a corrupção. Na 12ª. Vara de Curitiba, a longa vara do Dr. Sérgio Moro, o angélico às voltas com as denúncias de tráficos de influências na indústria das delações, todo delator criminoso confesso tem para suas falas o mesmo privilégio dos cartórios: é de fé pública.
É assim que a força-tarefa ouve o que exige que os delatores digam: merece fé pública porque segue o script que eles mesmos elaboraram. Assim, o processo para o qual Lula foi chamado a depor tem como objeto a compra e doação de um terreno, de um prédio, pela Odebrecht para a instalação de um “museu da democracia”, uma das muitas quimeras de Lula. Não houve museu como não houve a compra do terreno, a entrega da “vantagem indevida”. Mesmo assim, o processo corre sob a longa vara do impoluto juiz, que aceitando a denúncia, deu prosseguimento à farsa. Isto tudo porque o que diz um delator merece fé pública. Obviamente quando o delator negociou antes com o MPF de Curitiba. Quando o delator não negociou vantagens para si mesmo, suas denúncias são denúncias, não são delação, logo não têm fé pública. É o caso das denúncias envolvendo negociações de vantagens para delações…
Lula foi inquirido. Em poucos momentos o tema do terreno ou velho prédio apareceu! Não interessava, porque de fato não havia a entrega da “vantagem”. Então era preciso tergiversar e manter a inquirição, mesmo quando conduzida pela voz maviosa da querida promotora pública. Sobre os favorecimentos na gestão pública que seriam a contrapartida desse crime de duas faces, bom, sobre isso nenhuma pergunta, porque como sempre, na longa vara, condena-se por “ações não específicas (de favorecimentos) em tempos indeterminados” como consta da sentença já propalada e que será confirmada, por ordem dos patrões do exterior e da mídia nacional, pelo Tribunal Federal de Recursos de Porto Alegre, como já adiantou na imprensa seu presidente e como já o demonstrou o relator que, recebendo o recurso, o despacho em 15 minutos, tempo insuficiente sequer para ler os arrazoados apresentados (que de fato não serão lidos nem agora nem no futuro).
Há duas passagens no depoimento de Lula que me chamaram atenção – na verdade todo o depoimento acaba sendo uma lição de vida e de projeto. Um deles foi o do ataque frontal que Lula fez ao Dr. Angélico Moro, o Supremo. Disse Lula que o Dr. apresentou a denúncia… e o doutor quis salvar a cara e disse que ele não apresentou a denúncia, mas sua fala foi quase concomitante à fala de Lula, que não lhe deu ouvidos e não “corrigiu” sua afirmação cuja veracidade os fatos comprovam: Sérgio Moro não é um juiz, Sérgio Moro é um promotor que denuncia. Não tem qualquer imparcialidade. Aceita qualquer merda como prova – como fez ao aceitar como provas de que Lula é “o proprietário de fato” do triplex do Guarujá porque foi encontrada uma oferta de venda apresentada pela empresa sem qualquer assinatura!!!! Aliás, o juiz ainda acrescentou como prova, para espanto de qualquer jurista, as afirmações de uma reportagem do jornal O Globo. Ou seja, uma reportagem agora é prova na longa Vara do Angélico.
A segunda passagem é a oficialização do rompimento de amizade entre Lula e Malocci (sempre o chamei de Malocci, porque o novo “delator” é um misto de Malan e Palocci, ambos uma calamidade pública das duas posições ideológicas em conflito no país. Aliás, FHC disse na época que se soubesse o ideário econômico do então Palocci, o teria levado para o governo neoliberal que comandou). Lula disse: “A única coisa que tem verdade ali é que ele está fazendo a delação porque ele quer os benefícios que podem vir dela. Eu vi o Palocci mentir aqui essa semana. Fiquei com pena. Ele está preso há mais de um ano, tem o direito de querer ser livre, tem o direito de querer ficar com um pouco do dinheiro que ele ganhou fazendo palestra, ele tem família. Mas o que ele não pode, se não quer assumir a responsabilidade pelos fatos ilícitos que fez, é jogar (a responsabilidade) em cima dos outros”.
E Lula também explicou tim tim por tim tim, com todas as letras para que os pósteros aprendam: ele demitiu Malocci do Ministério da Fazenda assim que este se viu envolvido no escândalo da venda de favorecimentos em troca de vantagens, porque mentiu que frequentava certa casa e o caseiro disse que não era verdade, que o ministro estava mentindo… E como ensinou a Moro que quem mente uma vez tem que continuar mentindo pelo resto da vida para sustentar a primeira mentira – como está acontecendo com toda a perseguição direta a Lula pela força-tarefa e pelo Angélico Doutor e como está acontecendo com Malocci. Lula é tão generoso que ainda tem pena do Malocci!!! Eu o mandaria aos quintos do inferno! O que necessariamente temos que fazer com todos aqueles que se locupletaram no exercício do poder, nele enriquecendo, sejam eles do partido que forem! Mas antes de condenar, que mostrem a riqueza obtida, isto é, que a força-tarefa que nos custa mais de milhão por ano, encontre provas e não somente diz-que-me-diz.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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