Literatura de consumo e entretenimento

Nestas férias que me dei, um paradoxo para aposentados, enfrentei as 2.853 páginas da Trilogia do Século (Queda de Gigantes, Inverno no Mundo e Eternidade por um Fio) de Ken Follet. Minha amiga Cecília Collares me emprestou os três grossos volumes e diligentemente enfrentei suas páginas, acompanhando as histórias das famílias Fitzherbert (ingleses), Von Ulrich (alemães), Peshkov (russos), Dewar e Vyalov (norte-americanos), que circulam e contatam com outras personagens que constituem o mundo em que vivem. O pano de fundo são a Primeira Grande Guerra, a Segunda Grande Guerra e a Guerra Fria, até a queda do muro de Berlim. Obviamente, com o surgimento das duas Alemanhas no pós-guerra, havia necessidade de incluir mais um país no jogo: para o mundo democrático fogem filhos da família von Ulrich para dar conta de outro ambiente no complexo mundo pós-guerra. 

Trata-se de uma leitura interessante. Ken Follet sabe conduzir as diferentes histórias, fazer cruzamentos mais ou menos previsíveis para que o enredo da história do século possa aparecer como ambiente de vida das personagens. Aprende-se um pouco sobre este tempo conturbado, particularmente pela recriação de um cotidiano ficcional, mas fundando em possibilidades reais, de uma vida que se esvai no tempo, ainda que personagens como o velho conde Fitzherbert e sua irmã Maud atravessem os tempos das guerras e chegam a viver a guerra fria. Há um tom mais ou menos anti-soviético, como era de se esperar. Afinal, a história do socialismo real não é bonita como não é bonita a história da emergência e imposição do império norte-americano, que ainda permanece e cria guerras num mundo considerado como um campo de batalha.

Para me ‘redimir’, li ao mesmo tempo “Guerras Sujas” de Jeremy Scahill para me decepcionar com Barack “bin-laden’ Obama: o presidente que multiplou os ataques com drones, em assassinatos dirigidos. Obama manteve na luta contra o terrorismo o mesmo terror de seu antecessor, o republicano Bush. Diminuiu as forças terrestres no Iraque (um jogo de cena) para tornar campo de batalha o Iêmen, a Somália, o Paquistão enquanto havia guerra declarada somente contra o Afeganistão. O jornalista denuncia inúmeros crimes de guerra praticados pelas forças norte-americanas, com autorização dos presidentes Bush e Obama. Aliás, a crer no jornalista, Obama preside todas as terças-feiras o que chama de Terça do Horror, em que se define a lista dos assassináveis pelas forças norte-americanas, numa listagem de terroristas que não tem fim para alegria dos falcões… Uma conclusão óbvia, já apontada por soldados que combateram no Iraque: “fomos convocados para combater os terroristas, mas os terroristas somos nós”. A resposta do mundo islâmico à teoria de que “o mundo é um campo de batalha” para as forças norte-americanas, está aí: um estado islâmico, terrorista em ataques suicidas e quase individuais pelo mundo. Ao terror responde-se com terror. Os interesses das corporações norte-americanas que levaram a CIA a financiar a chamada “primavera árabe”, história de contos de fadas que a imprensa mundial engoliu e espalhou, produziram mais conflitos porque se quer impor a própria cultura política a uma cultura totalmente diferente, com a qual o império não sabe conviver e jamais conviverá, até que haja a queda de ambos os lados para que raia uma amanhecer para a humanidade. 

 

 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.