Judiciário: cada vez mais impopular

Muito antes dos escândalos do Executivo e do Legislativo, o Judiciário já não gozava de boa reputação junto ao povo, e mesmo junto aos ricos que o usavam a seu bel-prazer para rolarem o que fosse preciso nas infindáveis chicanas de seus advogados, até prescreverem crimes ou receitas devidas ao Estado. Sabiam que podiam usá-lo, donde não confiavam nele!

O poder judiciário nunca dependeu da opinião pública. Manteve-se em sua torre de marfim perseguindo pobres e ajeitando as coisas para os ricos. Tanto era assim que corria solto a expressão de que cadeia não foi feita para ricos.

De repente, um magistrado optou por fazer carreira de ator público, aparecer na TV, bancar o herói nacional. Assim como apareceu, desapareceu Joaquim Barbosa, mas abriu o caminho, mostrou a senda, deixou a senha.

Então outro magistrado, em troca de algumas placas de prata e alguns convites para palestras dos EEUU, seguiu o caminho aberto: deixar vazar informações confidenciais, praticar tudo para se tornar sempre a estrela que chama holofotes. Organizou uma operação com apoio na mídia, alegando que sem ela os poderosos que pretendia prender fugiriam das “garras da justiça”, ou das suas garras. Claro que a caminhada ou a caça à corrupção teve todo o apoio, quase unânime, da sociedade. Mas aí começou a aparecer que esta caça não era à corrupção, mas a determinado grupo político e a um político em especial. O resto “não vinha ao caso”.

Quando um aparece, outros, enciumados pelo colorido dos holofotes, também quiseram aparecer. E aí nomes de juízes começaram a se tornar conhecidos, cada um tirando sua casquinha e querendo aparecer bem na fita.

Só que a publicidade tem seu preço. De repente, tiveram que julgar segundo a opinião publicada pela mídia tradicional, para não perderem os holofotes. Não importavam as provas. Aliás, seus procuradores até dispensam provas técnicas pela convicção que têm de que nem precisava investigação e denúncia: o desejado seria de qualquer forma condenado.

E então a maioria começou a perceber que tudo era jogo de cena. Quando apareciam denúncias de corrupções de políticos de outro lado, ou não vinha ao caso, ou se tornavam inacessíveis os documentos – como é o caso do “desaparecimento” das duas chaves dos registros das propinas de Odebrecht! Criptografadas, são inacessíveis para a nossa polícia técnica. É que ainda não mudaram as listas…

Então José Serra, Aécio Neves, Geraldo Alckmin (sem contar aquele proprietário do apartamento da Av. Foch em Paris, o lugar mais caro do mundo, aquele mesmo dos presentinhos, um apartamento em Paris para um amante; outro em São Paulo para a outra amante, mas este não conta, “não vem ao caso”), todos eles vão se safando graças à inércia da investigação e do Judiciário. Aliás, Dona Raquel, a procuradora geral, já pediu arquivamento de processos em função da prescrição. E José Serra requereu ao seu juiz, Gilmar Mendes, que considere prescritos todos os seus crimes anteriores a 2010. Até Gilmar ficou com vergonha…

Depois vieram a público os salários, as renda, os auxílios dos juízes e procuradores. Luiz Fux, o ministro do STF, deu direitos retroativos a auxílios-moradia à cambada toda. Em troca, sua filhe se tornou desembargadora, ainda que despreparada para tanto. O preço que a nação paga pela designação não importa. Isso não é corrupção!

Não se trata de reclamar do luxo do apartamento do juiz Bretas! Com um auxílio-moradia mensal para si e para sua esposa, na miséria de R$ 12.000,00, têm ambos o direito de comprar as melhores mobílias e viverem nababescamente num país de pobres. O que ele ganha por mês de auxílio-moradia equivale a quase toda a renda de um trabalhador de salário mínimo!

Aí ficou muito claro que algo de podre havia no Poder Judiciário – houve até uma presidente de Tribunal que despachou em processo em que era impetrante, em que era interessada. Dona Carmen Lúcia pede as listas dos rendimentos dos juízes, do país inteiro. É presidente do CNJ, mas o assunto fica na lista, jamais entra em pauta, jamais se imagina a possibilidade de devolução. Não vem ao caso! Sai a lista, a imprensa áulica bate bumbo num dia, e faz o assunto morrer no dia seguinte. Para que tudo permaneça como está.

Mas é neste poço que o Judiciário se afogará. E infelizmente levará junto procuradores, juízes e ministros – cada vez mais raros – que são probos, julgam segundo a lei e não estão em busca dos holofotes que os tornem atores da rede Globo.  

PS: Alguém pode informar se o senador Álvaro Dias, do Paraná, faleceu? Ele era o queridinho da Globo quando no PSDB. Agora não se ouve mais falar dele, nem ele aparece para predicar aos tontos brasileiros!

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.