Disse-me um dia um marqueteiro que o capital político de uma eleição começa seu processo de evaporação mais ou menos a partir de 8º. mês de gestão. Não tenho a menor ideia se tal afirmação corresponde aos fatos políticos, já que estes têm dinâmicas distintas. No caso, tratava-se da eleição de um reitor e de seu grupo de apoio. E efetivamente começou então a evaporar-se o capital amealhado durante o processo eleitoral: começamos a perder apoios entre alguns segmentos da universidade.
Mas certamente isso não se aplica aos fatos políticos mais amplos, e também sabemos pela história recente que um capital perdido pode ser recuperado: Lula depois de se ver livre do novato neoliberal Malocci, um misto de um político petista chamado Palocci e o ex-ministro Malan do governo FHC. Livre dos entraves que o Malocci impunha, Lula se recuperou apesar do mensalão que se seguiu.
Agora, já temos 8 meses de governo do prefeito João Dória, a criatura de Alckmin e a novidade neoliberal do país. Apresentou-se como empresário, não político, disposto a dar um “coque de gestão” na maior cidade do país.
Pois o novo homem do PSDB assumiu com projetos que nos deixaram boquiabertos! Queria uma cidade linda, bela. E a providência foi comprar tapumes, e esconder os moradores de rua! Pintou os tapumes de cinza, uma cor certamente muito alto astral. Escondidos os moradores de rua, esta gente feia e sem banho, a cidade ficou bonita segundo este choque de gestão.
Mas as coisas foram além: era preciso ter uma cidade “limpa! E então começou a pintar todos os grafites que enfeitavam a cidade. Eram obras de arte de rua, algumas assinadas por artistas reconhecidos internacionalmente. Passou tinta cinza por cima: limpando… Tudo ficou cinza! Será que alguma teoria psicanalítica pode explicar esta preferência pelo cinza, quando seu partido é todo azul???
Seguiu-se a genial ideia de derrubar os prédios, isto é, as residências das pessoas que moram, para seu azar ou para sua alegria, na região que recebeu o nome de Cracolândia. Para acabar com o vício, nada de tratamento. A saída é passar máquinas por tudo, uma política de terra arrasada, obviamente aberto o espaço, um terreno disponível para os grandes empreendimentos imobiliários… Não se sabe para onde foram enviados os que perderam suas casas; não se sabe para onde iriam os outros que não perderam suas casas porque uma liminar suspendeu as obras. Temos lá mais uma obra inacabada do choque de gestão.
Agora temos um novo “choque”: as crianças das creches, das escolas de educação infantil, das escolas municipais de ensino fundamental estavam repetindo o lanche!!! Em nome do combate à obesidade, eis que o Sr. Prefeito determina que toda criança que fez seu lanche receba uma marca em tinta para que não repita a refeição! Até agora eu sabia – mas deixei de saber a partir deste grande choque – que uma criança somente come se estiver com fome! Pois não é que comer para matar a fome corre-se o risco de obesidade? É o que todos devem compreender! Crianças que chegam à escola com fome e que querem repetir não mais poderão: estarão devidamente marcadas. Marcadas com tinta… tudo porque o Senhor Prefeito está em luta acirrada contra a obesidade infantil…
Como estou aturdido, não sei o que pensar. Estaria o Sr. João Doria completamente louco? Estaria seguindo o caminho de outro líder de seu partido, o Sr. José Serra, caminhando direto para fora da casinha? Ou estas políticas públicas que constituem o tal choque de gestão? Bem que coxinhas e arredores podiam explicar isso para gente ignara como eu, que não compreendo o óbvio e o ululante.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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