IREI COLOCAR O BRASIL NOS TRILHOS

Genial! Colocar o Brasil nos trilhos de trem, é uma ideia brilhante, igual a ouro falso. Ideia assim só pode nascer e brotar de um cérebro do tamanho e de uma arquitetura fluída de um crânio achatado como o seu, Temer. Talvez, Temer, seria melhor você esclarecer que você vai colocar o Brasil nos trilhos de metrô. O metrô é mais moderno, mais tecnocientífico. Viajar de metrô nos países da Europa, no Japão é uma beleza, um delírio.

Assim, Temer, você juntamente com o seu amigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Eunício, presidente do Senado, o Meireles, seu superministro fantasmagórico, os demais ministros, senadores, deputados que te inocentaram e absolveram de crimes hediondos recentemente, viajarão a Brasília nos trilhos de trem, ou melhor, de metrô supermoderno e superveloz. Vão e voltam sem risco de atrasos, sem superlotação, sem engarrafamentos,sem descarrilhamentos, livres de tantos outros incômodos e desconfortos nas viagens na categoria comercial dos aviões superlotados. Poderão beber um “scotch”, um “napoleon”, uma “wiborova”, tudo por cortesia das empresas terceirizadas de transporte terrestre, totalmente confortáveis e seguros. Nos finais de semana, a partir das quintas-feiras à tarde, voltarão para os seus triplex, seus palacetes de condomínios fechados, nas belas metrópoles, nas praias de Búzios, Ilha Bela, Copacabana, Fernando de Noronha… levando suas esposas, namoradas, e … Este será o verdadeiro e grande Brasil que você irá colocar nos trilhos. A começar por vocês. Isso será literalmente colocar vocês todos nos trilhos.

Bem, agora chega de narrativa ficcional. Vamos para a escala da narrativa real. O estado material, real do Brasil de hoje, a conjuntura econômica, social, política, ética, ou seja, o Brasil fora dos trilhos exatamente porque não há trilhos que prestem no Brasil de hoje. Mas você insiste e persiste dizer que irá colocar o Brasil – todos nós – nos trilhos. Além de ter pouquíssimos trilhos de trem e metrô, o estado para o uso, do pouco que tem, é péssimo: trilhos velhos, enferrujados, sem manutenção, desparafusados, as máquinas dos trens velhas, de modelos ultrapassados, vagões para passageiros desconfortáveis, enferrujados, cheios de rangidos e goteiras, sem segurança nenhuma para os trabalhadores das categorias sociais mais pobres, os únicos que usam trem e metrô no Brasil de hoje. E mais, 95% dos brasileiros não tem acesso ao transporte em cima de trilhos. Como, então, colocar o Brasil nos trilhos se o Brasil não tem estradas de ferro para transportar os duzentos milhões de toneladas de grãos de milho, soja, trigo a cada ano que produz, para as indústrias nas capitais e para os portos fluviais? Se colocar o Brasil nos trilhos, Temer, o Brasil irá descarrilhar.

E tem mais, Temer. Acho impróprio, inadequado, nada ético, recorrer à linguagem analógica tão ambivalente para seduzir a opinião pública por meio de um método subliminar, ou seja, dizer, com voz calma, que é preciso sacrifício dos trabalhadores e servidores. Falar e dizer diuturnamente que a “agenda de reformas” é imprescindível e imperiosa para superar o deficit e a dívida pública monstruosa – injusta, ilegal e ilegítima – que o Brasil tem com os bancos rentistas estrangeiros. O seu compromisso, garantido com os votos dos parlamentares, seus apoiadores políticos, é com as grandes corporações econômicas, rentistas financeiros e com blocos midiáticos globalizados, é compromisso ilegítimo, imoral e antiético. Portanto, é um compromisso criminoso. Você não pode levar o Brasil ao estado e a condição de subserviência aos interesses do grande capital global às custas do sofrimento e exploração dos brasileiros trabalhadores e das massas populares mais pobres. É vergonhoso, nojento e insuportável você usar o poder de presidente do Brasil, valer-se dos bens de todos e comprar votos de deputados e senadores no Congresso para se livrar da condenação por crimes e para aprovar as medidas e programas de retrocesso brutal e cruel dos direitos dos trabalhadores. Liberar as leis e regras de negociação do trabalho é – sem o Ministério do Trabalho e sem a CLT – garantir o poder sem limites ao capital na correlação de forças com o trabalho. Principalmente com as políticas e medidas sem limites de privatizações e terceirização dos empregos. Você chama isso de “modernização do trabalho”, sem dizer aos trabalhadores o quanto eles perdem de direitos e benefícios já garantidos.

Fica difícil aceitar esta analogia – colocar o Brasil nos trilhos – porque ela reduz a liberdade dos brasileiros à liberdade do trem nos trilhos: só vai e vem de acordo com o caminho dos trilhos. O trem – o Brasil – só se move, vai e vem, sob o comando do maquinista. E este não tem nada a fazer a não ser cumprir destinos determinados em horários estabelecidos, não por ele, mas pelo poder do sistema. Uma liberdade – individual e coletiva – igual à liberdade do trem nos trilhos é uma liberdade triste, tediosa… não é liberdade.

Aliás, senhor Temer, tem algo muito verdadeiro porque real nesta analogia que você repete: os políticos que governam o Brasil de hoje são a cara dos trilhos e dos trens do Brasil de hoje. Eles – os políticos e os que os apoiam – não só se parecem, eles são os trilhos e os trens reais que temos: ultrapassados, corrompidos, enferrujados, obsoletos, sem serventia e capacidade para reestabelecer as condições de vida dos brasileiros honestos, éticos e trabalhadores.

Vou fechar esta indignação escrita com o último verso do poema “Trem de Ferro”, do poeta Manoel Bandeira.

Vou depressa

Vou correndo

Vou na toda

Que só levo

Pouca gente

Pouca gente

Pouca gente…

Cascavel, 09/08/2017.

Nota: Colaborando com o blog, José Kuiava escreverá às quartas-feiras. 

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.