Intervenção: dentro dos conformes

Embora tradicionalmente neste dia poste algum comentário de livro, as notícias da semana são tão fortes que me obrigam a um comentário, a uma opinião.

Não acredito que a intervenção seja inocente e nem que seja para combater o tráfico e a bandidagem. Ela vem a calhar para os interesses do golpe, que ainda não entregou a joia da coroa, a Reforma da Previdência. Quer dizer, joia da coroa neste momento; depois dela e do não retorno ao crescimento econômico, acharão outro motivo qualquer, como os gastos com Bolsa Família, com saúde pública, com educação, etc… sempre haverá um novo bode a ser posto na sala para que nenhuma mudança estrutural aconteça e os bancos continuem a ter seus lucros excepcionais e os rentistas fiquem todos contentinhos. É assim que funciona o capitalismo improdutivo com registros contábeis de rendas que não têm qualquer lastro em patrimônio efetivo, além do papel.

Aquela cronista com sobrenome daquele animal cuja carne os judeus não comem já antecipou: como a intervenção proíbe mudanças na Constituição, ela será suspensa para que a votação da Reforma da Previdência aconteça, com retorno imediato da mesma intervenção, evitando assim qualquer emenda à reforma então já aprovada! As datas de suspensão – para a votação em primeiro turno e depois para a votação em segundo turno – serão definidas assim que a compra de votos estiver sido efetuada e a “vitória” dos interesses financeiros esteja garantida. Entrará na pauta do Congresso e sairá de lá limpinha, limpinha como encomendado pelo capital ansioso para abrir mais um nicho de mercado com a previdência privada.

Como entre uma e outra data volta a intervenção, e como depois da segunda data, a intervenção ficará para valer até 31.12.2018, nenhuma manifestação poderá acontecer na cidade mais politizada do país, que é o Rio de Janeiro!

Donde vem a pressa, neste momento? Penso que a pressa em decretar a intervenção tem a ver com o medo de que o morro desça! No Carnaval, a Paraíso do Tuiuti expressou a voz calada. Os morros afixaram faixas em suas entradas ameaçando: se Lula for preso, o morro descerá. São dois movimentos num mesmo sentido.

Certamente D. Carmen Lúcia terá que colocar no plenário do STF, que alguém chamou de “cabaré do judiciário” – a expressão não é minha -, a questão da prisão depois de condenação em segunda instância. Os prognósticos apontam de que desta vez a maioria dos ministros, por 6×5, votará contra a prisão! Mas este placar é anterior à intervenção. Agora, garantida a ordem e o progresso que chegará segundo anunciam depois da Reforma da Previdência, permite aos vendilhões do templo continuarem com sua interpretação inconstitucional e Lula poderá ser preso sem que nada aconteça: os tanques estarão nas ruas para garantir que nada aconteça além das sobejas e sempre eternas mortes das pobres vítimas da violência policial. Pobres e pretos, de preferência.

Trinta anos depois da promulgação de nossa Constituição, o golpe a reescreve segundo interesses momentâneos, secundado pelo STF, este ninho de cobras criadas em que um de seus membros não tem a menor vergonha de comprar, com uma liminar, o cargo de desembargadora para sua filha recém-saída dos cueiros!

O país somente retornará à nação quando Referendos Revogatórios tiverem sucesso, e para eles virem, talvez não tenhamos que esperar tantos anos como no passado. Afinal, a velocidade do tempo virtual mudou também as durações dos golpes e das mentiras que os sustentam, aqui e em toda parte. Que o digam aqueles que acreditaram na “primavera árabe”.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.