Intermitências, ausências e depressão

Tenho aparecido pouco: reduzi as postagens se tornaram intermitentes; e com isso a ausência de comentários sobre o que estamos vivendo emergiu em seu silêncio indigno. As razões podem ser muitas, mas nada justifica abandonar as trincheiras, eu sei.

Acontece que nos últimos tempos venho dedicando meu tempo a disparatadas coisas, e com isso vou deixando de lado a constância em me atualizar. Primeiro, ainda estou numa reforma da casa em função dos ataques dos cupins. Não tem fim… uma história sem fim.

Mas nesse meio tempo me aconteceu algo muito bom: fui à festa de 100 anos de minha mãe! A festa não teve entrada triunfal sob roldanas, como no filme “Mamãe faz cem anos” de Carlos Saura. D. Maria é séria! Mas foi uma oportunidade de reencontro familiar memorável. E como ela continua com todo o vigor mental, mais uma vez aproveitamos para aprender com ela como enfrentar a vida. E a família resolveu juntar festas: participamos também da festa de casamento da sobrinha Mariana com Lucas. Festão!!! E duas festas uma depois da outra há de trazer ressaca: ontem fiquei de molho o dia todo…

Mas a depressão vem mesmo é do mundo político! Não pela deslavada compra de deputados que Michel Temer está fazendo, que isso todos esperávamos. E nossos deputados não primam pela ética, todos sabemos. E se deixam vender com uma facilidade espantosa, e nem ficam corados… Os mesmos que votaram pelo impeachment em nome da puta que os pariu. Saber não surpreende, mas deprime.

Também não surpreendem as notícias de que Sérgio Moro faz escola no judiciário… e que os desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre, que julgarão a apelação de Lula, se notabilizam pela elevação de penas, enquanto outros anulam sentenças condenatórias do mesmo juiz. Trata-se de afiliação ideológica, não de lei. Ou seja, o sistema judiciário está sendo corroído por dentro e vem se mostrando a instituição mais propensa ao “extermínio” do Estado de Direito. Saber não surpreende, mas deprime.

Conversar com a classe média que junta daqui e dali recursos para fazer parecer que tudo continua como sempre esteve e que “eles” continuam a ser o “beautiful people” e perceber o quanto a mídia tradicional faz a cabeça de pessoas até muito próximas da gente, novamente não surpreende, mas deprime.

Ficar sabendo que a extensão de direitos sociais às domésticas destruiu a profissão; ficar sabendo que a Reforma Trabalhista é do agrado dos trabalhadores, que estão felizes com ela; saber que tudo está nos seus conformes, tirante a decepção com os políticos, tudo isso pode não surpreender, mas deprime.

Por isso, as intermitências, as ausências… depressão danada para acompanhar a depressão do país: depressão moral, depressão econômica; depressão social. E tudo pelo bem da nação dos mais ricos.

Só há uma boa notícia: a queda dos juros diminuirá a rentabilidade dos rentistas, mas assegura um maior lucro para os bancos que aumentam o percentual de seu speed, isto é, a diferença da taxa de juros oficial e a taxa de juros que cobram da economia nacional. Afinal, tudo se faz pelos bancos e pelos rentistas. O fantasma que nos governa, Henrique Meirelles, pode liberar os dinheiros que quer Michel Temer, mas jamais deliberará pela redução do lucro de seus patrões. Não adianta gritar Fora Temer, sem que vá embora o programa econômico do PSDB recusado nas urnas mas aplicado pelo fantasma do Ministério da Fazenda.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.