Ingo Voese: notas biográficas & lembranças de convívio (1)

Ingo Voese nasceu em 25 de maio de 1940, em Santa Cruz do Sul, filho de descendentes de imigrantes alemães. Ainda que terceira geração de imigrantes, sua língua materna foi o alemão, que dominou fluentemente em toda sua vida. Seus pais, Sr. Ervino Voese e Sra. Lúcia Voese, à época de seu nascimento, dedicavam-se à agricultura e posteriormente radicaram-se nos arrabaldes da cidade, ele trabalhando como operário na Mercur e ela dedicada ao lar, que nesta época e circunstâncias, significava praticamente conduzir um pequeno sítio, com produção de hortaliças, frutas, verdura para consumo da família e, às vezes, também para a venda a fim de engrossar o orçamento familiar. Não faltava um galinheiro nem uma vaca de leite.

Ingo Voese em 1942

Foi deste convívio produtivo com a terra que Ingo herdou e carregou durante toda sua vida uma preocupação em produzir e conservar as terras em que lhe foi dado viver: todos os amigos que o frequentaram lembram que os terrenos urbanos de suas casas sempre foram grandes e situados nos arrabaldes das cidades que elegeu para viver(2). Neles produzia, ora mais ora menos. Os pássaros sempre foram suas visitas constantes, pois duas vezes por dia os alimentava, em vários pontos do pátio. Para isso, levantava-se cedo, como todo agricultor – a alimentação dos bichos tinha precedência sobre sua própria primeira refeição. Em cada um desses gestos, muito carinho e determinação

Ingo Voese na infância com a mãe

Paradoxalmente, este agricultor amante da terra e das raízes, foi também marinheiro que nunca encontrou um porto definitivo em que se fixar, esperando que as árvores plantadas envelhecessem(3). Inquieto nos sonhos, foi também irrequieto nos instituições e nos aconchegos que foi construindo ao longo da vida. A cada um de nossos novos encontros, eu me encantava com o ambiente que ele havia criado para viver. Poucos anos depois, desfazia-se de tudo e seguia a estrada em busca de outros lugares: de Santa Cruz do Sul para Campo Bom, Três de Maio, desta para Ijuí; retorna para Santa Cruz do Sul; e desta muda-se para Palhoça em Santa Catarina; de lá para Maceió, e desta para Quatro Barras, no Paraná, novamente num sítio aliado ao trabalho na universidade – e deste sítio para Curitiba. Pouco tempo depois, descubro-o em Laguna, no Morro da Glória!(4)

Mas retornemos ao tempo cronológico desta biografia: Ingo cresceu e fez seus primeiros estudos nos arredores de Santa Cruz do Sul, à época os níveis primário e ginasial. O secundário ele realizou em São Leopoldo, Escola Normal Evangélica. Acompanhando seus pais, Ingo teve uma formação evangélica que lhe possibilitou uma bolsa de estudos na Alemanha, no ano de 1963, depois de concluída a escola normal. Este estágio o prepara o exercício do magistério em escolas (internatos) de confissão evangélica, escolas em que chegou a ser Diretor de Internato. Destas escolas, aquela em que permaneceu mais tempo foi o CEAP – Colégio Evangélico Augusto Pestana, em Ijuí. Vindo de Três de Maio, em 1966. Começa suas atividades no CEAP em 1957. Mas este deslocamento tinha também outro objetivo: fazer o curso de Letras na FIDENE, em Ijuí.

Nesta época havia cursos de graduação chamados de Licenciatura Curta, que permitiam o exercício do magistério nas séries finais do ensino então chamado de 1º. Grau. Somente mais tarde é que apareceram oportunidades de conclusão da Licenciatura Plena. Por isso seu diploma de graduação em Letras foi expedido pela Universidade de Passo Fundo, somente em 1973. Mas o curso foi realizado mesmo na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, que mantinha um convênio com a Universidade de Passo Fundo: os professores de ambas as instituições foram responsáveis pelas primeiras turmas de licenciatura plena em Letras formadas em Ijuí.

Ingo Voese: diretor, professor e regente do Coral da Escola Evangélica Tiradentes de Campo Bom, 1962

Vivia-se, neste tempo, a ideologia desenvolvimentista. Estávamos em plena ditadura militar e, como já apontou Luiz Antônio Cunha, um dos prêmios concedidos à classe média pelo apoio ao golpe militar foi a abertura de cursos superiores em cidades do interior – em quase sua totalidade faculdades particulares e com condições mínimas de funcionamento. Enquanto o meio acadêmico percebia estas novas faculdades como um rebaixamento da formação universitária, as comunidades do interior, incluídos os jovens candidatos aos estudos superiores, lutavam pelo que então se denominou “interiorização do ensino superior”. Como o Brasil são muitos brasis, há diferenças enormes entre as escolas particulares então criadas: se nas grandes capitais se tratava de um negócio lucrativo como qualquer outro, em pequenas cidades do sul a abertura de escolas, depois chamadas de “comunitárias”, envolvia quase todos os segmentos sociais e oferecia àqueles que não podiam se sustentar na capital para fazer um curso das concorridas universidades públicas e diurnas, a única chance de formação superior em geral em cursos noturnos, o que nos permitia trabalhar e estudar. Há mais do que uma geração formada nestas condições de ‘estudante trabalhador’. E outras há, ainda em formação.

Foi neste contexto que conheci INGO VOESE. Ele já era professor de Linguística e Língua Portuguesa na Fidene (hoje Unijuí). Eu residia em Santo Ângelo. Nesta cidade, a 45kms de Ijuí, a Fidene manteve cursos de licenciatura de curta duração até 1970, quando suas ‘extensões’ foram fechadas, muito mais por razões políticas e burocráticas do que pela implantação de uma política mais austera de expansão do ensino superior. Em Santo Ângelo, lutou-se pela continuidade dos cursos de licenciatura, abrindo-se uma nova Faculdade: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santo Ângelo, mantida pela Fundames – Fundação Missioneira de Ensino Superior. Obviamente os bairrismos imperavam, e uma e outra fundação (Fidene e Fundames) representavam ideologias opostas. A esquerda estava em Ijuí; a direita se concentrava na Fundames. Era muito difícil penetrar nos recintos desta, cravando ‘cunhas de esquerda’ em seus quadros. Eu me tornei aluno do curso de Letras da Fundames e em 1972 assumi o cargo de Diretor de Ensino desta Fundação, e como tal recorri aos amigos de Ijuí: Gustavo Maciel (da área de estudos literários) e Ingo Voese (da área de estudos linguísticos) assumiram aulas em Santo Ângelo em 1973, apesar dos riscos que tal decisão poderia acarretar, por desagrado de um e de outro lados. Eis o que hoje não se consegue avaliar, pois na época da ditadura militar o simples gesto de estar vinculado à Fidene e aceitar trabalhar em Santo Ângelo era um gesto de coragem.

Foi a partir de 1973 que passei a um convívio extremamente frutífero com meu professor. Pacientemente, o Ingo viajava de ônibus de Ijuí a Santo Ângelo e nós nos encontrávamos em nosso apartamento, onde ele se hospedava. Íamos juntos para a faculdade; eu assistia sua aula e depois das aulas ficávamos madrugada adentro discutindo linguística, literatura, ditadura, possibilidade e impossibilidades. Longas aulas em meu benefício e em benefício de alguns amigos próximos, até que lhe permitíssemos que fosse dormir.

O ‘estruturalismo’ linguístico era nosso calcanhar de Aquiles: qual o sentido, afinal, da fórmula mattosiana do verbo em português? Lembro de minha incapacidade de compreender certas passagens de um texto de Derrida que o grupo da filosofia de Ijuí tinha traduzido e estava estudando(5): como que o centro que sustenta a estrutura está fora da estrutura? A pergunta tomou muitas noites, também etílicas. Neste tempo Ingo já estava ensaiando sua análise do conto “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa, que nos apresentou, em seus primeiros esboços, em sala de aula e na qual o flagramos interpretando o conto.

Em 1975, ‘perdemos’ o Ingo para a FISC – Faculdades Integradas Santa Cruz do Sul. Um dos motivos da transferência era a realização do mestrado, que iniciou neste mesmo ano na PUC-RS, concluindo em 1977, com a dissertação “A linguagem deficitária: perspectivas para a interpretação e produção de textos”, orientada pelo Prof. Dr. Elvo Clemente. Este retorno à terra natal não respondeu somente a razões profissionais, mas também pessoais. Ainda conviverá alguns anos com seus pais, o Opa e a Oma, como seus filhos e ele os chamavam. Ao mesmo tempo, o trabalho na Faculdade, onde criou o CEPELL – Centro de Pesquisa e Estudos Literários e Linguísticos, responsável pela edição e publicação da revista SIGNO. Um olhar para sua produção desta época, publicado na revista, revela seus interesses ao mesmo teóricos e práticos: Estudo da Influência do Sistema Fonológico da Língua Materna sobre a o da Língua Portuguesa (Signo 1:6-12, 1975); A linguagem da propaganda e o ensino da língua materna no 2º. Grau (Signo 2:5-16, 1975); A linguagem deficitária: perspectivas para a interpretação e produção de textos (Signo 5:4-24 e Signo 6:4-48, 1977); O conceito de ruptura no discurso da subjetividade (Signo 8:33-56, 1979); Um estudo crítico do discurso educacional (Signo 10:3-27, 1980).

Neste período reencontrei várias vezes o meu professor. Ou porque o fui visitar ou porque, mais tarde, ele me convidou para ministrar aulas num curso de especialização que coordenou na FISC. Sua dissertação de mestrado e a orientação que imprimiu ao curso de especialização tinham um sentido: a busca pela melhoria do ensino básico, uma preocupação interferente que acompanhou de forma intermitente a carreira do Ingo.

Como outros, o Ingo acabou assumindo a Direção de Centro e depois a Direção Geral da FISC, exercício de cargos administrativos (e políticos) nem sempre fáceis e sobretudo, incompreendidos quando não se trata simplesmente de deixar correr o que vem sendo feito, mas interferir nas formas e conteúdos das produções institucionais. O Ingo travou luta de democratização da instituição, propondo novos estatutos, direções mais colegiadas e até mesmo eleições diretas para os cargos de direção. Arrumou inimigos. Mas trabalhou muito para a constituição da atual Universidade, ainda que esta história fique às escuras na Instituição. Sobre este período, talvez a melhor síntese seja aquela expressa à época pelo Prof. Dr. Luís Alberto Warat, da Universidad de Buenos Ayres que aportou em Santa Cruz do Sul a convite do Ingo Voese, acrescentando a FISC uma série de instituições de ensino superior brasileiras que contaram com a participação do Warat. Em entrevista ao jornal Integração, órgão de circulação interna da própria FISC, perguntaram ao professor como ele sentiu a instituição na qual começava a trabalhar e sua resposta foi:

Como uma instituição ‘marginal’. Porque, a começar pelo diretor geral, todos demonstram uma sensibilidade muito especial. Já disse no painel e volto a repetir, o professor Ingo é o único diretor vivo que conheço na América Latina. Para estar vivo tem que estar um pouco enamorado da marginalidade. Ele também é capaz de sair à rua e gritar: “BOM DIA SOL” (Jornal Integração, Ano IV, n. XXIII, set/aut/84)

Ao terminar sua gestão, Ingo afasta-se para a realização do curso de doutorado na PUC-RS, mas sob a pressão de uma crise que, de institucional, agravou-se em pessoal[6]. Retorna o espírito do agricultor – aquele que quer viver da terra e de seu trabalho. Por alguns meses o Ingo abandona seus estudos e vai residir entre pescadores em Palhoça.

Refeito das indignidades, principalmente por obra e amor da Márcia, nosso amigo se dedicou à tese doutorado que defendeu em 1991, ano em que prestou concurso público para a Universidade Federal de Alagoas. Do ponto de vista acadêmico, esta passagem pela UFAL o faz reencontrar algumas leituras abandonadas na década de 1970, particularmente Lukács que retorna a suas referências bibliográficas. Neste período ele participa de grupos de estudos sobre o marxismo. Também neste período ele começa a se aproximar dos estudos bakhtiniano [que lhe apresentei], que terão influência bastante forte, a partir de então, em todos os seus trabalhos.

Em seu pós-doutorado feito em Campinas [sob orientação do Prof. Sírio Possenti], tive oportunidade de nova convivência mais constante. Inúmeras eram nossas discussões sobre os conceitos de ‘sujeito discursivo’, ‘ideologia’, ‘compreensão’, ‘significação’: sempre passávamos pelos tópicos das relações sociais e destas com a linguagem. Discutíamos filmes, músicas, letras de canções. Como desde sempre que o conheci – e agora seria necessário falar no plural, porque é preciso incluir sua companheira Márcia em tudo o que se segue – a marca maior foi/é/será a tenaz vontade de ambos em construir uma coerência entre a vida vivida e as teses defendidas: a fraternidade, a igualdade, a amorosidade do mundo futuro pretendido tinham que conduzir, minuto a minuto, as práticas do presente.

Depois do estágio pós-doutoral, o Ingo retorna a Maceió por curto espaço de tempo. Já aposentado, desloca-se para um sítio em Quatro Barras e inicia seu trabalho na Universidade Tuiuti, reencontrando o Prof. Dr. Luiz Alberto Warat, uma parceria que teve início na década de 1980, em Santa Cruz do Sul. É deste período seu estudo sobre argumentação jurídica e sobre a questão da mediação, então um tema constante nos meios jurídicos. Na Universidade Tuiuti o Prof. Ingo trabalha muito mais junto com o grupo de professores da pós-graduação em Direito do que na área de Letras.

Neste período, ficamos um bom tempo afastados. Três anos, talvez. E eis que o reencontro já como professor da Unisul, de Tubarão, residindo em Laguna. Retomamos nossas velhas discussões: tive o prazer de ler e discutir os originais de Análise do Discurso e Ensino de Língua Portuguesa, que indiquei para publicação na coleção “aprender e ensinar com textos” da editora Cortez. Foi neste período também que publicou o seu último livro, Contexto Refletido: vozes sobre postas de um diálogo, pela editora da Unisul, em 2007 (7).

Durante o pós-doutorado, houve uma decisão que desviou o curso da vida a dois: experimentar ter novamente filhos(8). Revertida uma vasectomia, Ingo e Márcia tiveram dois filhos: Marcelo Augusto e Marco Antônio. Para quem teve a sorte de conviver, muito menos do que o desejado, com a família do Ingo, acompanhar a educação que se expressou pela relação de igualdade e autoridade paterna, ao mesmo tempo, impressiona, sobretudo a largueza amorosa que acompanhou/acompanha cada gesto da vida compartilhada a quatro cabeças pensantes.

Dentre os sonhos de futuro, sobre dois deles conversamos muito: completar o trabalho Discurso e Amorosidade, de que se publica um pequeno excerto nesta edição e escrever literatura para crianças, com base na experiência de pai e de contador de histórias: tratava-se de recuperar, tornando ficção, experiências vividas com os filhos e amigos dos seus filhos. O tempo foi insuficiente não só para estas, mas também para tantas coisas outras. Ingo não viu, nós não veremos também, o mundo mais feliz e mais humano por que lutamos. Mas restam o silêncio e o sonho.

A partir de 31.06.2007, Ingo começa a nos fazer falta. O Ingo me faz falta. Supro com Marcelo Augusto e Marco  Antônio e com Márcia, mas fica sempre um gosto de ausência presente. Somente o Ingo, e um espírito como o dele, poderia escrever, durante uma noite de insônia no hospital, num tratamento que sabia não haver volta, e em que, para tranquilidade da família, se deixou acompanhar por um enfermeiro, o texto que compartilho com os leitores. Este é um de seus últimos textos. É um projeto de texto a ser escrito. O que se segue são traços de uma narrativa possível que diz muito do que foi Ingo Voese, pelo que diz nas circunstâncias em que diz:

SOBRE A VIDA – UMA HISTÓRIA POSSÍVEL

  • Certa vez, um homem, já com idade um pouco avançada, teve a grande alegria de tornar-se pai de dois filhos.
  • Preocupação: como ensiná-los a viver, dar-lhes um rumo à felicidade antes que morresse e que eles tivessem compreensão para entender.
  • O problema: o próprio pai fazia-se constantemente perguntas: “Quando concordar em ir por aí e quando discordar”, por exemplo. Não havia, na verdade, um começo e um fim: o homem era “explodido” para dentro da vida.
  • Aconteceu tudo o que o velho pai temia: os meninos ainda eram jovens para que ele, agora acometido de uma grave doença, lhes pudesse ser útil na resolução da questão que considerava importante.
  • Hospital: a morte X a vida, a dor para descobrir que viver encobre segredos sobre diferentes formas de produzir a felicidade. Era preciso descobrir incessantemente segredos/sagrados.

 

1º. Segredo: por que a dor? (o que as religiões ensinavam?)

2º. Segredo: Uma revelação. Para dar ao velho homem, à noite, melhores condições de controlar as intensas dores, a esposa amorosa, contratara um enfermeiro que precisava de ganhar algum dinheiro extra para manter a família.

O doente compreendeu a intenção, mas preocupou-se com seus efeitos, como poderia o enfermeiro desempenhar bem suas tarefas de dia, se tivesse que passar a noite acordado?

E foi o que aconteceu, na primeira noite: o enfermeiro saiu do trabalho em outro hospital, exausto e com fome. Mal tivera tempo para engolir um lanche rápido durante o dia.

E o doente fez das suas dores intensas um exercício de paciência para ajudar o enfermeiro esgotado: deu-lhe comida, facilitou-lhe o banho e o sono e, após isso, cuidou para que, nada, nem seu próprio sofrimento, pudesse impedir a restauração do enfermeiro.

E nesta noite, fez-se um silêncio e uma penumbra, na qual se vislumbravam o reflexo de lágrimas e os suspiros de um raro tipo de felicidade.

 

Notas

  1. Este texto foi escrito para um número da revista SIGNO, hoje editada pela Universidade de Santa Cruz (RS), em homenagem ao Prof. Ingo Voese, que foi diretor geral da instituição mantenedora da então Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, Faculdade de Administração e Ciências Contábeis e Faculdade de Direito de Santa Cruz. O Ingo foi meu professor de Linguística em 1973, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santo Ângelo, onde fiz a licenciatura curta em Letras. Naquele tempo ele era professor da Fidene (hoje UNIJUÍ). Depois ele se transferiu para Santa Cruz do Sul, quando realizou seu mestrado na PUC/RS, em Porto Alegre, onde também fez seu doutorado. Quando de seu falecimento, propus à revista SIGNO, que ele havia fundado, que fosse organizado um volume em homenagem a seu criador. Recebi a incumbência de organizar o volume, o que fiz com muita tristeza, ainda. Dividi o volume em quatro grandes seções: um de depoimentos sobre Ingo Voese; uma segunda seção sobre sua produção científica; uma terceira seção em que seus ex-orientandos escrevem textos sobre os trabalhos -–dissertações e teses – realizadas sob sua orientação. Com segui contato com os seus oito ex-orientandos e todos eles escreveram um texto para este volume da revista. Por fim a última seção foi a publicação de um texto inédito de Ingo Voese – Um discurso como possibilidade: a amorosidade, trabalho em elaboração sobre a questão que o ocupava naquele momento. Publicado in Signo, 33, n. 54, jan.jun. 2008. Disponível em https://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/view/501/338
  2. Agradeço à querida amiga Márcia Voese pelas precisões acrescentadas a minhas lembranças e pela generosidade de permitir o acesso a documentos e a suas próprias lembranças.
  3. Houve um curto período em que viveu no meio rural na cidade de Santa Cruz do Sul. Naquele tempo sonhava com auto-suficiência, uma vida na natureza e com a natureza. A continuidade de seu trabalho docente universitário seria apenas um acréscimo, reduzido em horas, quase um roubo do tempo a ser dedicado ao sítio, ao cultivo e à criação de animais (lembro especialmente sua criação de coelhos!).
  4. Sírio Possenti, em seu texto sobre o homenageado por esta edição, chama-o muito adequadamente de cigano.
  5. Trata-se da seguinte passagem do texto A estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciências humanas (Derrida, J. Escritura e a diferença. S. Paulo : Perspectiva, 1971); “… o centro encerra também o jogo que abre e torna possível. Enquanto centro, é o ponto em que a substituição dos conteúdos dos elementos, dos termos, já não é possível. No centro, é proibida a permita ou a transformação dos elementos (que podem aliás ser estruturas compreendidas numa estrutura). Pelo menos sempre permaneceu interditada (e emprego propositadamente esta palavra). Sempre se pensou que o centro, por definição único, constituía, numa estrutura, exatamente aquilo que, comandando a estrutura, escapa à estruturalidade. Eis por que, para um pensamento clássico da estrutura, o cnetro pode ser dito, paradoxalmente, na estrutura e fora da estrutura. Está no centro da totalidade e contudo, dado que o centro não lhe pertence, a totalidade tem seu centro noutro lugar. O centro não é o centro.”
  6. [nota acrescentada aqui] Efetivamente, o que aconteceu foi que a Instituição, ao liberá-lo para fazer o doutoramento (com bolsa de estudos), exigiu que ele, terminado o doutorado, não retornasse para a FISC. Como se pode aquilatar, esta exigência teve impacto psicológico enorme sobre o Ingo: uma mistura de raiva e amargura e ao mesmo tempo de felicidade por ter conseguido, com sua ação, transtornar tanto assim a direita que prevalecia na cidade. Foi esta crise que o levou para Palhoça, depois de cumpridos os créditos do programa de doutoramento.
  7. Como os demais livros do Ingo, estes também são comentados nesta edição de SIGNO. Ver a seção respectiva a propósito das obras de Ingo Voese.
  8. No primeiro casamento com Ingue Voese, teve dois filhos: Kerstin e Fernando.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.