Impor um programa, impor unidade ideológica

E eis que Henrique Meirelles diz aos quatro ventos que já estamos crescendo. Que a economia se recupera… talvez esteja chegando ao patamar de que desceu desde que a urdidura do golpe  se iniciou, lá por meados de 2013, depois de estudada e elaborada toda a estratégia nos arrabaldes de Curitiba com linha direta com sua matriz. Primeiro, destruir a concorrência que certos ares de independência estavam permitindo dentro do quintal. Depois trocar o governo para garantir para sempre o retorno do pensamento da Casa Grande.

A recuperação, portanto, não é crescimento. É apenas voltar ao que era antes e voltar não é crescer, ainda que Meirelles e comentaristas econômicos usem este termo.

E agora, que eles pensam ter a receita do crescimento com custos baixos para o patamar de cima da pirâmide, e com custos altos para o presente e o futuro da base da mesma pirâmide tão desejada e com tanta força mantida, eis que o governo federal elabora um projeto de lei chamado “Regime de Recuperação Fiscal” que obriga todos os estados da federação – que assim desaparece rapidamente – a venderem seus ativos nos setores financeiro, de energia e de saneamento. Ao mesmo tempo impõem: todos os servidores deverão contribuir com no mínimo 14% de seus salários para a previdência; todos deverão revisar o regime jurídico dos servidores, e ficam os governos estaduais sem direito a conceder qualquer incentivo fiscal, mesmo quando estes se fizerem necessários numa situação de calamidade.

Cumpridas estas determinações que se tornarão lei da União – ou alguém acredita que o submisso parlamento não aprovará o que manda ser aprovado o Executivo? – os estados poderão requer – podem não receber – ajuda federal para se recuperarem dos efeitos do golpe que os manda-chuvas de hoje produziram com tanto gosto.

Assim, um mesmo programa inspirará todas as políticas públicas dos entes federados, destruindo a federação! E como o programa provém de uma fonte ideológica única – a do neoliberalismo tacanho que já não é defendido nem pelo FMI e pelo Banco Mundial – o que teremos com resultado será a unanimidade ideológica imposta, não conquistada por convencimento e persuasão.

Este governo quer governar tudo e todos. É como o STF que nos tornou não mais cidadãos, mas “jurisdicionados” para empregar o termo querido da ministra Carmen Lúcia. Todos submissos a um mesmo padrão e a um mesmo juízo.

Eles estão chegando mais rápido à concretização de sonhos que mesmo Hitler demorou mais tempo desde Munique até à Chancelaria! E fazem isso explorando a miséria que ajudaram a construir. Talvez construir a miséria de todos os estados tenha sido realmente um programa, não uma consequência. Infelizes governadores. Depois de eleitos, precisam se tornar cordeirinhos a beijar as mãos de sua Excelência o Senhor Henrique Meirelles. Temer é apenas um espantalho posto num palácio para apor assinaturas ao que quer seu ministro e distribuir benesses entre ladrões e plagiários. O homem das sinecuras, elas custam milhões de reais, mas isso é o preço para as vantagens cujas cifras se iniciam em bilhões entre rentistas daqui e dacolá. . 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.