Gilmar pra cá, Marco Aurélio pra lá e muitas reuniões noturnas

Vencido pelos cupins (que invadiram minha casa) e pelos chupins (que se apropriaram do país), fiquei vários dias sem escrever: consequência da batalha, perdi o computador, mas continuei firme batendo nos cupins e sofrendo os chupins da república.

E muita, mas muita coisa aconteceu neste período de “minhas férias”. Até o inacreditável: uma sentença de Moro ser totalmente reformulada pelo Tribunal, absolvendo Vaccari, o tesoureiro do PT, preso e condenado pelo quase ex-altíssimo Sérgio Moro! Mias do que a esperada denúncia de Michel Temer, foi esta absolvição o fato jurídico mais importante da semana. Perde força a Lava Jato no mundo dos pares… Mas perde ocasionalmente, porque o mesmo Tribunal deverá aceitar outra sentença condenatória, mesmo que baseada apenas na informação de Leo Pinheiro, de que Lula é o proprietário do tríplex do Guarujá! O Tribunal não vai reformular a condenação que Sérgio Moro está temendo em tornar pública… E a absolvição de Vaccari aparecerá apenas para mostrar que não se trata de perseguição política, que a justiça age cega em relação aos partidos e aos políticos englobando a todos que cometeram maus feitos.

E para comprovar que as coisas são como são, partidárias, a decisão de retorno de Aécio Neves a seu mandato de senador está aí para dizer o que deve dizer: uma gravação é prova contra Delcídio Amaral; uma gravação não é prova contra Aécio Neves. E não será prova contra Michel Temer! O ministro Marco Aurélio de Mello decidiu e deu o empurrão necessário para a base aliada de Temer voltar a seu covil e barrar a denúncia de Rodrigo Janot: afinal, também esta se baseia numa gravação… Se gravação com voz e tudo vale para Delcídio, mas não vale para Aécio, não há de valer para Michel Temer – afinal ele não tem ficha de filiado ao PT.

Muita coisa está acontecendo no país para que tudo retorne a seus trilhos: o golpe sobreviverá sob a batuta de um presidente fraco orquestrando um congresso servil e vil para que as reformas venham porque é assim que quer a “economia” de mercado. E enquanto a mão invisível do mercado vai roubando as forças da nação e enriquecendo os rentistas, seus áulicos arrumam argumentos e falam, falam… isto é o importante, o resto é jogo de cena entre políticos todos a serviço da mesma causa. Para a patuleia, estão em briga. Mas a meta continua firme e todos a olham de seus lugares.

Fernando Henrique Cardoso, já um tanto gagá, abriu o jogo: é preciso vender, privatizar, vender tudo. É isso que interessa. Enquanto ficamos acompanhando a lutinha entre ministros do STF; entre procurador geral e futura procuradora geral; entre presidente desmoralizado e procurador denunciante, tudo o resto está entrando nos eixos: privatizar e retirar direitos. Foi para isso que o golpe veio. E para isso permanecerá, não interessa qual o sacerdote do sacrifício, importa que ele se concretize e vitime quem tem que ser vitimado: o trabalhador e o pobre. A classe média vai levando, aperta aqui, desaperta ali. Como estamos levando nós que nela estamos incluídos.  

Com os jogos de cena aparecendo aos borbotões na mídia, até a característica mais marcante do sistema judiciário depois da entronização e sacralização da delação premiada fica obscurecida: os dois pesos e duas medidas: há denúncias e gravações que valem e há as que não valem. Casualmente, Vaccari já preso se beneficiou de uma absolvição para que a patuleia continue a crer na imparcialidade e apartidarismo da Justiça brasileira.  

Enquanto tudo isso está na mídia, os 14 milhões de desempregados e aqueles que estão se submetendo ao subemprego vão sobrevivendo não se sabe do quê e nem com quê. E assim vão pagando a conta do espetáculo e das rendas. 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.