Gestos semelhantes de diferentes: Fachin e os estúpidos brasileiros na Rússia

Quais diferenças e quais semelhanças há entre dois gestos “brasileiros” da semana que passou: aquele da decisão monocrática do ministro do STF Edson Fachin arquivando o processo em que a defesa de Lula pedia para responder em liberdade enquanto correm recursos em seu processo pelo tríplex que não é dele e os gestos obscenos dos torcedores brasileiros, todos bem postos e com dinheiro suficiente para acompanharem a Copa do Mundo na Rússia, fazendo de palhaça uma mulher que inocentemente repetia sonoramente suas baboseiras sem saber o que dizia?

Comecemos pelas semelhanças: os gestos obscenos foram praticados em público e foram publicizados. Nada fica escondido nestes gestos. Certamente os machistas e imbecis brasileiros, na Rússia, não tiveram a cobertura da mídia tradicional e publicizaram suas obscenidades nas redes sociais. Edson Fachin mereceu espaço e elogios da mesma mídia que teria ignorado as obscenidades não fosse a reação nas redes sociais e na imprensa internacional.

A segunda semelhança remete a um sentimento quase anacrônico: a vergonha que ainda deveríamos sentir todos os seres humanos quando estão de cara com gestos como estes. O de Fachin pela evidente, também reconhecida internacionalmente, perseguição política em que se tornaram os processos conduzidos pelo Dr. Angélico, o nada puro Sérgio Moro, o mesmo que condena qualquer réu que em algum momento esteve próximo ao PT e agora se dispensa de julgar seus companheiros do PSDB. Não se envergonhar pela perseguição política advém também da falta de informação. Não se envergonhar com o gesto obsceno daqueles imbecis torcedores brasileiros demonstraria um apoio ao machismo, à sem-vergonhice, à babaquice, à estupidez humanas. Há, no entanto, mais vergonha da obscenidade sexual do que da obscenidade moral e política.

A terceira semelhança tem a ver com o espaço social ocupado pelos agentes: são todos da elite brasileira ou que se considera elite sem saber que não passam de serventuários da pequena e verdadeira elite brasileira. Fachin porque chegou ao máximo de sua carreira, e tem agradecido de todo coração, decidindo conforme lhe indicam seus amos; os outros, lá na distante Rússia, acham-se “elite” porque sofrem da mesma doença que atacou, ataca e atacará a tacanha classe média brasileira: julgar-se acima de qualquer ordem, de qualquer suspeita, de qualquer juízo. Claro, não se pode olhar para as falcatruas cometidas, pelos roubos praticados para chegar onde estão, porque se mexermos por aí, tudo fede.

Vamos às diferenças poucas… e são poucas para nos envergonhar. A primeira delas tem a ver com a verdadeira fonte dos gestos: enquanto Fachin obedece a ordens emitidas do poder e transmitidas pelos seus veículos – há que se manter Lula preso e inelegível. Como serviçal, tem feito tudo de forma agradecida. É portanto um gesto consciente. Tomado com consciência. Aqueles torcedores imbecis agem segundo uma prática milenar do machismo, não são inconscientes, mas são estúpidos, incapazes de perceberem o mundo em que vivem, agindo como homens das cavernas. Digamos que seus gestos foram inconscientes, tão inconscientes que nem conseguiram compreender a repercussão ao vídeo que tiveram o desplante de tornar público.

Há ainda outra diferença: enquanto os estúpidos torcedores conseguiram a reprovação unânime, nacional e internacional, Edson Fachin conseguiu mais alguns pontinhos junto à minoria da população brasileira que teme o retorno de Lula à presidência, porque teme que os pobres, tendo três refeições diárias, não se submetam ao trabalho escravo, como aquele de limpar um pátio da pequena burguesia durante um dia inteiro e receber como pagamento de seu trabalho um prato de comida ao meio dia e alguma roupa velha no finalzinho da tarde, se terminado o serviço escravo.

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“ADENDO” (ou as últimas…)

Já havia mandado esta crônica para postagem, quando recebo novas notícias que mostram que a obscenidade teve continuidade… E então, acrescento:

E eis que o ministro Edson Fachin recuou, ontem, da decisão de sexta-feira, daquela decisão bem encomendada de arquivar o pedido de liberdade de Lula que seria julgado hoje pela 2ª. Turma do STF, alegando “perda de objeto” já que a vice-presidente do TRF-4 – que sequer pertence ao grupo do Tribunal que vem acompanhando e revisando os julgamentos do Dr. Angélico – havia despachado às pressas na mesma sexta-feira que não cabia recurso ao STF por não envolver questão constitucional.

Ao menos para colocar uma sequência de fatos na mesa para se dar a ler: no começo da semana passada, houve “tremores” do mercado pela instabilidade política já que havia sido agendado o julgamento do pedido de liberdade de Lula. Foi o que bastou para às altas horas da noite, quando todos os gatos são pardos, para a reunião do trio assombroso Michel Tenebroso, do inocentado por decurso de prazo Aécio Neves e ínclito Rodrigo Maia para negociações políticas que se dão na quinta e madrugada de sexta; ato imediato, na sexta-feira, corre a vice-presidente do TRF-4 a despachar num processo mandando-o para arquivo; bem mandado, Edson Fachin faz o mesmo no STF. Assunto encerrado. Com eficiência e boa articulação, diga-se de passagem.

Mas a defesa de Lula retorna e Fachin, para ir desconversando, despacha para o plenário da Corte o assunto, não sem que antes seja ouvido o MPF, a equipe da Dona Raquel, pessoa altamente prestimosa. Mas como o STF entra em recesso – não confundam com férias, depois é que tirarão férias – tudo chegará para Madame Carmen somente em agosto, e aí ela terá o prazo que quiser e o fará quando quiser, para colocar o assunto na pauta, que não colocará, jogando a bola para o próximo que para o bem ou para a o mal (ainda não sabemos, mas podemos desconfiar) a sucederá na presidência Judiciário, aquele ministro que já disse que não pautará o assunto da prisão depois de condenação em segunda instância havendo recursos a tribunais superiores, o tal de Dias Toffoli. Com isso, o golpe ganhará mais uns 60 dias para deixar Lula na solitária de Curitiba. E pelo calendário eleitoral, em 15 de agosto, os barrosos e fuque-fuques poderão não registrar a candidatura Lula para o pleito presidencial alegando que é condenado, está preso… Tudo bem articuladinho.

Ou seja, as obscenidades da semana passada estão sendo ultrapassadas pelas obscenidades de uma semana que recém começou.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.