Jorge Amado imortalizou o nome “Gabriela” no mundo da literatura. Mulher de beleza muita, feliz no seu gingado, dança e ama com fervor. Nacib que a encontrou no Mercado, que a contratou como cozinheira e outros afazeres, amou-a e com ela se casou. Mas Tonico Bastos, o garanhão de Ilhéus, não deixou escapar Gabriela…
Sônia Braga deu à Gabriela de Jorge Amado corpo e carne: beleza e sensualidade somadas – personagem e atriz. E na novela da Globo, inesquecível as andanças de Gabriela da casa do marido Nacib para a casa do amante, em vestido branco, sob a chuva, com os panos grudados no corpo queimado, moreno, aparecendo sob o branco, dando a entender o que aí havia para todos com capacidade de imaginação, nem precisava muito.
Gabriela em corpo de Sônia Braga… E nome se firmou: desceu do olimpo da literatura para o mundo das estrelas. Gabriela foi, por muito tempo, sinônimo de beleza feminina, sensualidade, sexo e tal. Cheiro de cravo, cor de canela. Especiarias. Olfato e carne. E muita história. É reler Gabriela, Cravo e Canela.
Agora outra Grabriela tenta superá-la, mas com cravo e martelo. Para além de dar nome a flor e ser especiaria (sempre houve os que usaram cravo para fazer desaparecer da boca o cheio da cachaça…). Mas foi com “cravos” que os soldados romanos fixaram Cristo na Cruz e usaram martelos.
Imitando mais a estes do que àquela, a nova Gabriela é hard, forte, bate pesado, seu martelo não é certeiro porque não há certezas em seus golpes, apenas cumprimento de ordens dadas, sem se dar muito ao trabalho de deslocar os cravos para aparentar obra própria.
Gabriela quer se inscrever nas letras jurídicas. Mostrar que cumpre bem o que lhe é mandado cumprir. E que sabe cumprir também prazos: sabe da necessidade de cheirar o timing perfeito para o golpe do seu martelo.
Assim, a nova Gabriela tem charme, mas não chega perto de cozinha, não lava nem serve. Talvez como a outra Gabriela tenha seu Nacib e seu Tonico, mas ninguém sabe… publicamente só disse que era descasada, sem marido… em audiência pública. Nada mais sabemos de panos ou requebros. Não os há. Há diferentes entre uma e outra Gabriela, a primeira levada, a segunda, séria e circunspecta como convém a quem tem a obrigação de obedecer às leis, fazê-las serem o que os que mandam querem que seja, mesmos sem muito capricho na elaboração dos sentidos. Às vezes, até com erros de considerar uma pessoa duas, uma respondendo pelo apelido, outra respondendo pelo nome de batismo. É que a nova Gabriela enxerga as almas que se delatam nos nomes, dois para confundir!
Tem a nova Gabriela uma vantagem absoluta sobre a velha Gabriela: ela enxerga o que ninguém vê, ela prova sem precisar mostrar provas. Ela sabe.
Gabriela usa com vontade o martelo para cravar os ‘cravos’ sobre o corpo que prende, mas jamais conseguirá cravar a alma que lhe sobrevoa e habita em tantos outros corpos que dão carne as ideias que devem ser aprisionadas custe o que custar.
Saudades da Gabriela, a primeira. Triste fim está a nova Gabriela dando ao nome que foi alma e corpo tão cobiçados.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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