Examinar as fotografias de políticos que ilustram as matérias dos grandes jornalões é sempre muito interessante, porque elas nos dizem muito frequentemente o que não se diz no texto ou não se pode dizer no texto. Como se sabe, nelas o órgão de imprensa manifesta suas posições, ou algum jornalista arrisca fazer passar suas opiniões mesmo que contrárias à direção do jornal: é um risco e o jornalista neste caso canta com Chico Buarque “vai passar…”.
Mais ou menos há uma quinzena que as fotos publicadas de Michel Temer são sempre muito boas, com um enfoque adequado a torná-lo um político confiável, simpático, até com um sorriso responsável. Deixou de se apresentado como um rato com que se parece. De desfavorável, passou-se a opinar favoravelmente, elevando Michel Temer a político apto para as funções que lhe reservam no pós-impeachment (que haverá ou se não houver agora, outros pedidos entrarão e a todos o nosso Eduardo Cunha dará prosseguimento, numa sequência sem fim). Ou então ele dançará por serviços prestados por Gilmar Mentes no STF, cassando a chapa Dilma-Temer.
Mas não gostei e fiquei preocupadíssimo com a foto do nosso juiz Sérgio Moro, publicada ontem (25.03.2016). Num ângulo que não lhe faz juz, em pose à Gilmar Mentes, fazendo biquinho muito inadequado e feio. Fiquei imaginando o que estará querendo nos dizer o Estadão! Um dos sentidos possíveis: uma homenagem de Sérgio Moro a Gilmar Mentes. Ora, Sérgio Moro é maior e muito melhor que Gilmar Mentes. Por que ele iria estar homenageando quem lhe é inferior e a quem faz recomendações de como deve agir, quando faz recomendações a todos os membros do STF para que ouçam diretamente os delatores? Descarto este sentido. Poderia ser uma homenagem ao Farol de Alexandria, nosso estadista de Higienópolis, Fernando Henrique Cardoso? Talvez. Mas poderia o Estadão estar informando subrepticiamente as afiliações partidárias do nosso querido juiz? Também um talvez. Mas esta seria uma informação desnecessária, redundante e até mesmo prejudicial às concepções de imparcialidade com que se comporta em sua Vara!
Fica outra interpretação bastante provável e que me preocupou e de que não gostei: o Estadão começou a descartar o juiz de Curitiba, porque sua tarefa já teria cumprido seus ideais. No pós-Dilma há que encerrar a Lava Jato, depois de preso indefinidamente Lula da Silva e talvez Dilma Roussef, mas a prisão desta não me parece estar no horizonte dos desejos secretos da grande imprensa brasileira.
Estou preocupadíssimo e preciso acompanhar as próximas fotos de Sérgio Moro para tentar entender o nosso mais confiável e sério jornal impresso, O Estado de S. Paulo, por suas posições democráticas, pela pluralidade enorme de pontos de vista em suas matérias, pela singeleza e correção de sua linguagem. A ver e a conferir nos próximos 60 dias.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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