Eram felizes e não sabiam

Como é o mundo em que vivemos? O mundo que construímos individualmente e coletivamente com os outros? Como é o mundo que, bem ou mal, formamos? Estamos satisfeitos e contentes com a sociedade que formamos? Como é o Estado que nos escraviza e devora os impostos sem fim que pagamos diuturnamente? Até quando vamos ter um governo golpista que não elegemos?

A primeira imagem que vem aos olhos e a sensação cerebral e corporal que sentimos é que vivemos num mundo do entretenimento virtual. Assim, somos reduzidos, dominados e informados pelo mundo da produção, mundo do comércio e da mercadoria, mundo do consumo sedutor, mundo da publicidade e da propaganda, mundo da democracia eletrônica, mundo da espetacularização das tragédias – naturais e humanas – ao vivo pela mídia televisiva e pelas redes sociais.

Neste mundo tudo vira mercadoria: primeiro de tudo, os bens materiais para garantir nossas vidas, produção e reprodução biológica das nossas vidas em condições de saúde, conforto, segurança, bem-estar – comida, bebida, moradia, móveis, equipamentos domésticos, vestimenta, transporte, comunicação, lazer, entretenimento televiso e virtual… Além das  mercadorias vitais, temos o mundo sem limites da moda, da estética corporal – vestimentas, calçados, penteados, óculos, pinturas… Até as obras de arte viraram mercadorias –  pintura, escultura, música, dança… Aí, os esportes também viraram mercadorias – futebol, tênis, vôlei, basquete, fórmula 1, fórmula Indi, natação… As doenças viraram mercadorias altamente produtivas, os crimes bárbaros estão se constituindo em  mercadorias extremamente onerosas para o Estado. Enfim, o estudo e a educação escolar viraram mercadoria – creches, escolas, colégios, cursos profissionalizantes, vestibulares, universidades… A ciência e a tecnologia são mercadorias de difícil alcance. Assim, nesta sociedade do consumo, o dinheiro virou a força e a glória do bem-estar.

O pensador, cientista social e professor emérito da Unicamp, Octávio Ianni, escreveu e advertiu ainda no final do século passado: “Nesse mundo virtual, criado por meio da manipulação de tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas, forma-se a mais vasta multidão solitária.  Espalhada pelas diferentes localidades, nações e regiões, em continentes, ilhas e arquipélagos, são muitos os que se transformam em criações da mídia televisiva, na qual muito do que ocorre no mundo revela-se entretenimento , publicidade, consumismo, espetáculo”. Para confirmar este mundo virtual, Ianni recorre ao escrito de Julian Steallabrass: “No agora eletrônico, indivíduos isolados, anônimos, mas presumivelmente bem informados,podem reunir-se sem o risco de violência ou infecção, engajando-se em debates, troca de informações ou meramente não fazendo nada”.

Quando vivíamos as benesses do Estado do bem-estar  – anos dos governos Lula e Dilma – o bem-estar e o bem-viver eram mais acessíveis para as grandes indústrias e grandes empreendimentos comerciais – oligarquias e monopólios nacionais, transacionais e multinacionais –  até para as massas mais pobres. As políticas de governo garantiam a produção de grandes estoques de mercadorias, o controle de preços, a organização do trabalho, acesso de afro-brasileiros e indígenas às universidades públicas pelo sistema de cotas e o fim da pobreza ao extremo mediante o programa “bolsa família”.

Assim, todos éramos mais felizes do que nos anos anteriores dos governos tucanos. E o que aconteceu com o golpe do impeachment e está acontecendo com o governo golpista Temer? Temos políticos de um governo que corta drasticamente os encargos sociais, tira dinheiro da saúde, da educação, das universidades, reduz os impostos sobre o alto capital e as fortunas, aumenta os impostos sobre o médio e pequeno comércio, sobre a renda individual e o trabalho, impõe reformas trabalhistas para quebrar o poderio dos sindicatos e, o que é pior, instaura um vasto e danoso programa de privatização do nosso patrimônio público, abolindo o controle estatal sobre o fluxo financeiro dos conchavos rentistas.

Hoje, não há 3% dos brasileiros satisfeitos e felizes com este estado de vida. Éramos todos mais felizes e não sabíamos?

José Kuiava Contributor

Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.