No “novo ensino médio” saudado como mais atraente para os estudantes e aplaudido pelos veículos de comunicação golpistas e bajuladores, há uma paradoxal oferta de recursos para escolas (e para os estados que as sustentam) desde que entrem no programa de tempo integral.
Trata-se de uma nova forma de relacionamento entre a União e os entes federados (no caso, os estados porque pouquíssimos municípios mantêm o nível de ensino médio). Depois das benesses das negociações das dívidas, deixando para depois uns parcos 50 bilhões, agora o governo federal pretende que os estados implementem a reforma de ensino médio, com as escolas oferecendo os tais aprofundamentos queiram ou não. Nesta nova relação de constante cordialidade, por quatro anos contarão as escolas com recursos federais.
Mas há um problema complementar: a MP é clara quanto a isso, o Ministro da Educação liberará recursos à medida das disponibilidades orçamentárias. Considero este governo provisório porque o Gilmar Mentes já prometeu julgamento da ação do PSDB pedindo a cassação da chapa Dilma/Temer para 2017, e Serra está assanhadíssimo para ser eleito indiretamente presidente. Serra sabe que não ganhará eleições diretas, mas uma eleição indireta vem a calhar para seu sonho presidencial. Poderá negociá-la, a depender da agilidade com que este governo vender tudo o que puder – almas mortas e consciências elásticas – para que haja condições materiais concretas de uma eleição indireta.
Ora, este governo da Medida Provisória para o ensino médio também quer a aprovação de outra metida, aquela do teto dos gastos públicos. Nesta medida se prevê que por vinte anos os orçamentos terão um acréscimo equivalente à inflação. Haverá, pois, um congelamento orçamentário.
Sobram então duas hipóteses. Vale uma ou outra. Ou o MEC está com um orçamento neste ano claramente folgado, com sobra de recursos (que Henrique Meirelles não ouça isso!) e poderá então enfrentar a promessa de recursos para implementar a reforma do ensino médio; ou o MEC está com um orçamento comprometido com as ações que já desenvolve, o que é mais provável, e não terá qualquer recurso para repassar para os estados, entes mantenedores do ensino médio do país.
Como a segunda hipótese é a mais próxima da verdade, então Michel Temer elaborou a medida provisória na entre-escuta com os empresários e está agradando a estes com recursos alheios, dos Estados. Ele agrada a quem quer agradar; os governadores pagarão a conta.
Afinal, oferecer os tais aprofundamentos se tornou obrigatório. Com eles, aqueles estudantes que optarem pelas Humanidades estudarão Filosofia, Sociologia, Antropologia; aqueles que se dirigirem às ciências exatas e da natureza não precisarão qualquer rudimento de reflexão epistemológica, pois afinal são ciências exatas, não há o que discutir e pesquisar. Está tudo pronto… E aqueles que optarem pela profissionalização, para que pensar? Basta saber apertar o parafuso.
Mas como farão isso as escolas sem aportes financeiros novos? Ou acreditamos que as escolas de ensino médio já dispõem de bibliotecas, laboratórios de informática, oficinas e todo o material necessário – o que não é o caso – ou a profissionalização pretendida será mesmo de saber apertar parafusos e nada mais! Mas isso talvez baste para que não pensem, sonhem com o mercado de trabalho que estará de portas abertas para eles… porque quem trabalha não tem tempo para pensar. Afinal o lema do governo provisório é “Não fale em crise, trabalhe!”.
Sei que a questão do financiamento não é o maior problema desta reforma do ensino médio. A exclusão de disciplinas é, para dizer o mínimo, de uma desfaçatez enorme. Duvido que o consultor Alexandre Frota tenha concordado com a exclusão de Artes e Educação Física para os jovens do ensino médio. Afinal ele sabe que para ser ator de filme pornô há que ter quilométrica ‘capacidade artística’ e excelente preparo físico. E ser ator de filme pornô poderá ser uma das profissões a serem oferecidas, já que o novo ensino médio será muito mais atraente como diz em capa – porque não a leio – uma execrável revista semanal, que se junta ao coro de sempre para laudar tudo o que fizer o provisório governo que ajudaram a se estabelecer a fórceps e a julgamentos fajutos.
Há ainda outra questão embutida nesta Medida Provisória, cujas consequências somente poderão ser aquilatadas no futuro. Trata-se do fato de que qualquer um com “notório saber” poderá se tornar professor de qualquer disciplina. Assim, os professores de Educação Física que ficarem desempregados poderão dar aulas de Física depois de um treinamento de cinco semanas… Os professores de Artes poderão assumir as aulas de Desenho Industrial ou coisa semelhante. Têm todos notório saber pois são já professores. Mas também noutras disciplinas teremos novos docentes: escritores e jornalistas darão aulas de português; qualquer falante de inglês ou espanhol, que tem notório saber da língua, darão aulas de Inglês e Espanhol; engenheiros darão aulas de matemática, física e química. Para esta área também se candidatarão farmacêuticos e agrônomos. Para a Biologia poderão candidatar-se dirigentes destas ONGs que cuidam de cachorros, gatos e cavalos abandonados. Afinal tratam da vida, e quem trata da vida ensina Biologia. Talvez repartam suas aulas com agrônomos, horticultores e fazendeiros que assumiriam os pontos de botânica.
Com isso, poderão ser fechados todos os cursos de licenciatura e de pedagogia das universidades federais! Taí: é da economia com o fechamento destes cursos que sairão os recursos necessários à implementação da reforma do ensino médio!!! Como demorou para a ficha cair!!!
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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