Enquanto o remédio não mata, aplique-o

O raciocínio de alguns economistas é muito estranho. Começam a aparecer com uma rapidez impressionante as consequências ou as heranças do período Joaquim Levy! Um período de triste memória, porque representou uma guinada na orientação da economia brasileira patrocinada pela presidente recém eleita com programa absolutamente diferente. Para agradar o mercado, buscou um dos assessores econômicos da candidatura contrária, cujo programa as urnas rejeitaram, elevou-o a ministro e deu-lhe carta branca para conduzir a economia e o ajuste.

Pois o ajuste produziu desemprego (claro que os índices de desemprego são sempre comparados aos índices obtidos pelas políticas do governo rejeitado, isto é, do PT, e ao aos índices dos tempos em que governava o neoliberalismo!). Ajuste produziu empobrecimento:  quase um milhão de famílias desceram na escala das classes sociais, saindo do patamar a que subiram com as políticas do ‘abominável’ lulo-petismo. Ao mesmo tempo que chamam a estas políticas de erradas, esculhambam-nas (Serra, em 2008, governador de estado, dizia que “essa gente está fazendo tudo errado”, referindo-sde com “essa gente” aos economistas que dirigiam a Fazenda e o Planejamento e que orietnaram o enfretamento da crise provocada pelos banqueiros internacionais. “Essa gente” é uma expressão muito diplomática, coices que o elevaram a Chanceler!), estes economistas neoliberais querem aprofundar o emprego do mesmo remédio em nome de um ajuste que garanta o pagamento de juros a seus verdadeiros patrões, os bancos e os fundos de investimentos.

Pois o remédio adoeceu a sociedade brasileira. Como adoeceu e não matou, os ‘magos’ da economia aumentarão a dose, até matarem o paciente. Por isso o capitalismo financeiro, concentrador de renda, cada vez mais cava seu próprio túmulo. O inesquecível Cardel D. Helder Câmara disse um dia que “poderão os desvalidos fazerem de seus ossos armas”. E olha que naquele tempo tínhamos um capitalismo de produção. Com o capitalismo financeiro, não sabemos se sobrarão ossos!

Todos concordamos: o modo de enfrentamento da crise internacional de 2008, com a criação de um mercado consumidor interno, era uma saída justa e adequada para o momento. Acontece que as famílias não trocam todos os anos de carro, geladeira, etc – todos tidos com bens de consumo duráveis (ainda que no Brasil durem muito pouco!). Então um desenvolvimento puxado pelo consumo deveria ser um ciclo momentâneo.  O primeiro governo Dilma tentou uma mudança de ciclo, com o projeto da “nova economia’, saindo do consumo para um ciclo de desenvolvimento baseado em investimentos públicos e privados. 

Como Dilma não quis distribuir benesses em seu governo, única forma de alicerçar uma base sólida no corrupto parlamento brasileiro, corrupto desde sempre, tucutou com vara curta os inconformados com as derrotas eleitorais e com uma distribuição de renda que diminuia o fosso existente na desigualadade social. O grupo dos inconformados, os neoliberais de carteirinha procedentes do governo FHC e seu partido, e o grupo de parlamentares excluídos das benesses que sempre tiveram pela honestidade da presidente eleita, reuniram-se e aprofundaram as articulações d eum golpe que o primeiro grupo vinha costurando desde 2002.

O primeiro grupo, neoliberal e supostamente, mas só supostamente, limpinho, limpinho, enriquecido limpamente, transformados de professores universitários em grandes proprietários, queria o poder para aplicar maciçamento remédio até que o doente vire defunto; o segundo grupo queria continuar a prática de receber benesses sem serem incomodados por investigações de uma polícia federal e uma procuradoria pública tornada eficiente precisamente pelo ‘execrável’ lulo-petismo. Pois aplicaram o golpe, derrubaram uma presidente. E nem Rosa Weber, a ministra que aceitou a censura de opinião no país, pode negar, depois das últimas revelações, que se trata de um golpe. Os primeiros querem enriquecer limpinhamente, de cara bem escanhoada (Aécio Neves para mostrar seu luto ao perder as eleições, deixou a barba crescer. Terminado o luto, voltou ao redil dos limpinhos). Os segundos que enricaram menos limpinhamente querem um pacto para acabar com investigações. 

Diga-se de passagem: não foram governos dos limpinhos nem dos interesseiros que permitiram investigações. Foi precisamente o governo do partido dito maior corrupto da história do país – e não estou dizendo que não houve desvios e erros de conduta – que investigações prosperaram com liberdade, sem procurador geral para engavetar e sem ministro do STF que julga apenas partidariamente. Aliás, os ministros indicados pelo ‘petismo’ agem com liberdade, inclusive contra lideranças do partido. Lembrem-se de Joaquim Barbosa, indicado por Lula para ministro. Votou como vota o Gilmar Mentes? Não. Todos sabem que não! E houve um golpe em nome do fim da corrupção, praticado precisamente pelos mais corruptos políticos da história brasileira!

E o golpe quer aplicar dose maciça do romédio que desemprega, empobrece, adoece e mata! Até o Mendonça de Barros, economista e ex-ministro do neoliberalismo tupiniquim está avisando: é preciso cautela!!! Quando o ex-professor universitário, hoje proprietário da Quest-Investimentos, Mendonça de Barros, pede cautela, é porque os neoliberais do governo estão indo com muita sede ao pote! Querem matar o paciente logo!!! Entre os apressadinhos, sobressai o coveiro mor do país, José Serra e sua política de alinhamento submissso à matriz. 

  

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.