Enquanto o jogo de cena entre Gilmar e Janot ia acontecendo, um dizendo querer freios para a Lava Jato e outro defendendo os procuradores argumentando ilogicamente que ninguém vaza o que não tem, como se a gente não soubesse que os procuradores têm o que vazaram da não-denúncia contra Toffoli – que entrou de gaiato (ou se ofereceu?) para outros objetivos – Janot tomou as providências de que lhe incumbiram:
- Suspensão da delação de Leo Pinheiro que, todos sabem, comprometeria José Serra e Geraldo Alkmin. Isso não pode, logo como “castigo” pelo vazamento atribuído aos advogados da OAS – que para Janot agem contra os interesses que defendem no campo jurídico! Ora, tudo o que se precisava era de algum factoide que desse a Janot este ar de justiceiro de que gostam de pousar os procuradores e seu chefe na Lava Jato. Os outros vazamentos nem sequer mereceram de Janot um pedido mínimo de investigação!
- Pede o arquivamento de um dos processos contra Edison Lobão, o ex-ministro de Minas e Energia, cuja “confiabilidade” foi devidamente paga no passado e agora é paga com arquivamento de processos. Ninguém notou. Vagarosamente, as investigações contra próceres do PMDB desaparecerão e irão para o arquivo sem que Janot receba a mesma alcunha de outro procurador geral, Gerado Brindeiro, que ficou conhecido como “engavetador geral da repúlica”.
Enquanto as testemunhas de defesa de Dilma Rousseff depunham no Senado, com um painel registrando a presença de 78 senadores, apenas vinte e poucos deles ocupavam suas cadeiras às 20,30 horas. Os demais nem sequer estavam nos corredores! Para que ouvir testemunhas e análises dos supostos crimes que até Joaquim Barbosa, o magistrado supremo da direita a que há pouco tempo tantos incensavam diz que não há crime! Ora, o voto destes senadores-juízes já foi apalavreado com Michel Temer, já houve distribuição de cargos, e outros virão. Logo, para que saber que não há crime se a condenação já está decidida? Nada mudará no placar! As compras já foram feitas; senadores como Cristovam Buarque já mancharam suas biografias, aliás desde que se alistou num partido sucursal da direita, aqueles que sendo de direita têm vergonha de dizê-lo abertamente e vão para o PPS.
Enquanto Dilma fala no Senado, Serra e Michel Temer torpedeiam os BRICS. A China estrila, mas com o golpe já se sabe que os BRICS vão dançar e que a geopolítica norte-americana sairá definitivamente vitoriosa e para que um grupo de países volte a reagir tentando alguma independência teremos um século de tempo mesmo nesta era da rapidez das informações. Tudo fica vagaroso quando se trata de alterar o sistema de exploração do mundo por 200 grandes empresas transnacionais que se ramificam em diversas atividades, incluindo obviamente a financeira. Vão desde o controle de sementes até o controle dos juros e das rendas.
Enquanto reagem lutadores pela democracia, quantitativamente cada vez em menor número, Aécio Nécio, segundo a bela definição de Ricardo Lewandowski, cala-se e esconde-se esperando que o esqueçam por um tempo, porque foi ameaçado de ser o boi de piranha que a direita entregaria à sanha de justiça dos “coxinhas” ludibriados e a Lava Jato passaria por não partidária. Não entregarão a eles sequer Eduardo Cunha.
Enquanto o inefável procurador Dallagnol dá entrevista a Jô Soares defendendo que provas obtidas de forma ilícita podem ser usadas desde que tenha havido boa fé (um excelente exemplo de boa fé é trancafiar por meses a fio investigados até que eles aceitem fazer delações ou confessem qualquer coisa que delegados e procuradores queiram ouvir), prepara-se um golpe estupendo para retornarmos aos tempos inquisitoriais, em que o uso de boa fé – baseado na fé absoluta em Deus – permitiu a torquemadas a torto e a direito executarem todos que lhes caíam nas garras e nas antipatias. Sempre tivemos situações em que havia legitimidade, mas não legalidade; agora teremos as situações em que há ilicitude, ilegalidade, mas validade legal!!! Um contrassenso, um absurdo que Jô Soares, com toda sua cultura, engole feliz e satisfeito. Culto, mas péssimo entrevistador – ou ele entrevista a si mesmo diante do convidado, ou ele regorjeia de alegria quando ouve o que quer dizer e não tem peito de dizer, como foi o caso do nosso profeta Neemias nacional ressuscitado no corpo do procurador Dallagnol.
Enquanto isso tudo… a vaca vai pro brejo.
João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.
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