Enfim, completa-se a urdidura do golpe. E pelo voto.

Como venho apontando aqui, desde a derrota de 2002, o centro, a direita e a extrema direita brasileiros não se conformam por terem perdido o poder da caneta presidencial. De fato, jamais perderam o poder. Perderam apenas o governo. E perderam porque o modelo neoliberal foi um remédio que deixou o Brasil exangue.

A estes grupos políticos, pouco importa que a hemorragia destrua o país, desde que lhe sobrem as gordas migalhas a que estão acostumados desde as Capitanias Hereditárias. O povinho teve a audácia de levantar a cabeça e eleger um trabalhador. Um acinte!

Mas ter o governo não é ter o poder. E para governar, o operário teve que tecer alianças, expelir de seus ministérios companheiros antigos, dar conta do toma lá, dá cá da política parlamentar brasileira. Graças a este jogo, conseguiu manter o governo e não ser engolido pelo primeiro golpe armado: o processo do mensalão que se sabe. Como sabia o relator do processo, então, na verdade não houve dinheiro público envolvido: a invenção de recursos desviados do BB através da campanha do cartão Visa foi o que foi: invenção. Tanto que o segundo diretor do BB que assinou o contrato teve seu processo desmembrado e corre em segredo de justiça, porque nele estão as provas não aceitas no mensalão: não houve desvio aí. Mas pode e é provável tenha havido desvios em outros lugares. Não estou inocentando quem errou.

Lula se recuperou, não houve um voto ao estilo Rosa Weber, do não há provas, mas a literatura me permite condenar! E realizou grandes feitos nas três áreas que lhe interessavam: reduzir a miséria; colocar o país no concerto das nações de forma independente; e criar empresas brasileiras capazes de concorrência internacional.

O golpe foi para os porões dos conspiradores de sempre. Chegou Dilma que opta por outro caminho no desenvolvimento da sociedade brasileira, com um projeto que não deu certo. Assim mesmo, é reeleita ainda na memória dos bons tempos do governo Lula. Ganha, mas não leva. Desde que foram anunciados os resultados das eleições de 2014, Dilma deixou de governar o país. Os golpistas estavam assanhadíssimos.

E tiveram sucesso: conseguiram afastar uma presidente honesta, e nas articulações políticas conduziram um grande malandro e ladrão para a presidência, para este período de governo-tampão.

No processo de construção do impeachment, o centro, a direita e a extrema direita perceberam que tinham nas mãos o apoio da maioria da população, graças à narrativa que impuseram à nação os meios massivos de comunicação. Os políticos do centro-direita imaginavam que conseguiriam trazer para seu reduto, mais uma vez, a extrema direita. Não conseguiram. Na verdade, a voragem de extrema direita os engoliu a todos. E surge a figura sinistra do Jair Bolsonaro. De extrema direita, fascista de pensamento, sem qualquer conhecimento sobre o país e seus problemas. Com uma só frase respondia a qualquer pergunta ou colocação: “vamos mudar isso daí, ok?!”

O golpe, perceberam os golpistas, poderia ser dado pelo voto! E não por acaso um general da reserva se torna o candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro. Estava dado o aval da força. Uma campanha cheia de ilegalidades não reconhecidas como tais pelo golpismo do Judiciário abria o caminho para o “tudo vale”. Houve até juiz que autorizou a calúnia nas redes sociais porque os outros poderiam se contrapor nos espaços para os comentários!

Os votos no primeiro turno ofereceram o prato principal: jogaram para fora do campo o setor de centro-direita, invertendo a submissão histórica. Agora quem passaria a dar as cartas seria a extrema direita. O Centrão e os sociais democratas se tornaram apenas parceiros da mesa do jogo, sem direito a distribuir as cartas. Não se trata de uma criatura que engoliu o criador. Trata-se da emergência fustigada do que há de pior no ser humano, trazido para a luz do dia – ódio, violência, preconceitos – que a educação e a civilização mantêm represados. O líder Jair Bolsonaro pregou o ódio, a violência e os preconceitos. Se o líder pode abrir o represado, os seguidores também podem…

Os resultados das eleições mostram um país geograficamente dividido; são dois países diametralmente opostos em seus votos, até com semelhanças nos percentuais das diferenças entre os dois candidatos, em torno de 70% a 30%; no Nordeste e dois estados do norte, este percentual foi favorável a Haddad, o candidato com compromisso com a democracia; praticamente os mesmos percentuais, agora a favor de Jair Bolsonaro, no Norte, no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. Aos primeiros: capim porque há que acabar com o “coitadismo” na expressão do presidente eleito; aos segundos, arrocho salarial e concentração de renda.

O golpe tão arduamente tecido no período Lula; costurado com facilidade no período Dilma; chega ao seu final VITORIOSO. As urdiduras do golpe completaram-se. O serviço que virá, agora, será apenas o serviço sujo que se deixará a cargo dos porões onde lágrimas, dor e sangue serão derramados, lá pela “ponta da praia” como já apontou o presidente do país, mas não de todos nós, o Sr. Jair Bolsonaro.

Alguém disse que perder eleições na democracia faz parte do jogo; mas perder a democracia nas eleições é outra coisa, espanta, assusta, e fará doer. Foi isso que a maioria do povo brasileiro quis. É isso que terá a população inteira.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.