Em breve, o “sem vínculo empregatício” se tornará o padrão

Nos conflitos nas relações capital/trabalho, desde que começou a revolução industrial, o Estado, como um pêndulo, oscilou ora a favor de um lado, ora a favor de outro lado. A liberdade dos “liberais” admitia o trabalho semiescravo, de 12 horas semanais ou mais, incluindo crianças nas indústrias têxteis, particularmente.

Este mesmo sistema retornou no mundo globalizado, neste começo do fim do Estado moderno: o trabalho escravo prestado por costureiras, por crianças, por idosos e idosas, a preços vis, na confecção das roupas de muitas das grandes marcas, com sempre vem sendo denunciado quando ocorre algum acidente de proporções (os acidentes diários não interessam).

Conheço costureiras ‘contratadas’ sem contrato que levam para casa centenas de peças recordadas para uma costura, recebendo preços aviltantes pelo trabalho “por conta própria”.

Recentemente, recebo uma informação: como o vínculo empregatício de trabalho doméstico somente existe se houver três expedientes semanais, três dias por semana, há contratações de duas empregadas domésticas pelo mesmo patrão, para trabalharem cada um dois dias. Nos outros dias da semana, se necessário, entra em ação uma terceira faxineira… Como nestes casos não há vínculo empregatício, também não há recolhimento de contribuições sociais. Mas o falso déficit da Previdência vai por conta da seguridade social, dos apesentados de salário mínimo… não vai por conta de uma legislação promulgado por um Estado que hoje escolheu o lado do capital de forma escandalosa.

Pois a nossa malvista e maldita Câmara dos Deputados aprova a Reforma Trabalhista, isto é, a retirada de todo e qualquer direito que no Estado moderno, pré-neoliberal, havia sido conquistado. E o padrão, juntando com a terceirização generalizada, será o trabalho sem vínculo empregatício! Mais ou menos como o das duas empregadas domésticas, cada uma com dois turnos semanais!!! Uma precarização que será saudada nas estatísticas com o crescimento do falso “empreendedorismo”: todo trabalhador terá que abrir uma “empresa de prestação de serviços” com CNPJ, com contabilidade própria e registrada, pagando impostos de empresa e recolhendo contribuição previdenciária se quiser se aposentar recebendo um salário mínimo depois de anos de trabalho!

Será muito “gratificante” ver professores correrem atrás de CNPJs para darem aulas! E como o tiro também sai pela culatra, até os jornalistas “áulicos” da proposta terão seus CNPJs e, tomara!, lhes aconteça o que aconteceu com o “crítico a favor”, demitido do Estadão, o Sr. Arnaldo Jabor, o invertebrado.

O horizonte que desenha este governo e estes parlamentares não está para peixes… E lembrem, o dono do país, o Sr. Ministro da Fazenda, aquela fonte de ameaças, já disse que “direito adquirido é uma ficção legal”… Portanto, que os tranquilos aposentados de hoje se preparem para ter que cumprir o que pediu um primeiro ministro japonês: ter a bondade de morrer para que os rentistas possam entesourar mais e mais dinheiro vivo, isto é, dinheiro regado pela morte dos outros. Pouco interessa ao rentismo que morram os outros, mesmo que estes outros sejam muito próximos. Claro que próximos a eles só podem ser os serviçais… 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.