Por algum tempo, fomos levados a pensar que, com nossa atuação como professores, estávamos preparando gerações que teriam necessariamente um futuro melhor do que o nosso. Mas, diferentemente disso, não podemos assegurar-lhes muita coisa, muito menos as vislumbradas promessas de “ser alguém na vida”: com uma profissão definida, um emprego permanente ou a estabilidade econômica. Também não podemos assegurar que “pessoas estudadas” se tornarão conscientes em relação ao meio ambiente, à aceitação das diferenças ou a qualquer outro tema. Não. Não podemos assegurar coisa alguma.
Vivemos no período da maior quantidade de informações na história, mas também no período em que as incertezas parecem mais evidentes. Durante muito tempo, quando uma criança era educada, acreditava-se em um conhecimento confiável, seguro e duradouro, em que não havia possibilidade de erro porque se ensinava com a convicção de que o que se aprendia era para toda a vida. Essa falsa impressão deu aos professores uma grande autoridade social e lhes permitiu exercer seu trabalho com certa segurança e tranqüilidade, reforçando, assim, alguns mitos em torno de sua profissão. O problema é que, embora não haja certezas, ainda se pensa a educação e suas políticas pedagógicas em termos universalizantes, que buscam tornar comum – nacionalmente comum – projetos escolares para um mundo que não existe simples, certa e unicamente.
Todavia, a incerteza incomoda e, por isso, facilmente apelamos para narrativas que produzem segurança, como mitos, religiões, sabedorias e, também, ciência. Isso é tão forte que podemos também negociar e vender certezas, como fazem os horóscopos, a literatura de autoajuda, os manuais normativos, as diretrizes curriculares etc.. Mesmo sendo inacreditável que se possa oferecer e comprar tais coisas, a criatividade só é possível em ambiente de incerteza. O medo do incerto inviabiliza a percepção de que a probabilidade de se criar está mais vinculada a quem corre riscos, confronta-se com a incerteza, aposta no desconhecido e sabe desfazer o que já fez.
A aprendizagem vive de mudar-se permanentemente, tomando como ponto de partida o de chegada, e todos como passagens. Propriamente, não parte e não chega, porque não mora em lugar algum. Aprendizagem é o caminho. É preciso admitir a incompletude como meio para manter-se aberto e poder propiciar o avanço. É preciso pensar a ausência de certezas não como algo imobilizante, mas como antídoto contra o autoritarismo, contra projetos que se afirmam como únicos e que propõem soluções supostamente salvadoras a qualquer preço.
A ausência de certeza pode ser a base de uma política por meio da qual nos responsabilizamos pelo trabalho que fazemos. Somos responsáveis pela formação que produzimos, mesmo limitados, discursivamente subjetivados e incertos em relações de poder difuso; mas ainda assim, responsáveis. E se não há garantias e certezas em relação ao que fazer, o que se nos abre é a política como ação contextual cotidiana pois, à medida em que nos comprometemos tomamos decisão que não são ditadas por uma consciência ou racionalidade a priori, mas partem de um determinado contexto que nos subjetiva e interpela de alguma maneira. É isso que nos permite permanecer em ação: sermos levados em todo o tempo a pensar com o que estamos nos comprometendo. Não para um futuro, não para um ideal, não para uma formação universal a ser alcançada para atender ao mercado, mas para o presente, para o hoje, para cada conversa, em cada texto, em cada trabalho realizado.
Não há descanso, não há fim na ação política e não há garantias no que vai resultar. O que haverá são possibilidades abertas e imprevistas. Por isso, a mudança política do mundo permanece em pauta.
Cristina de Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.
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