As mudanças na educação, dentre as quais, o aumento de carga horária e o detalhamento minucioso de conteúdos, apontam para uma série de dificuldades a serem administradas em sala de aula. Novos assuntos são introduzidos no currículo sempre que surge um problema na engrenagem social e diferentes temas são transformados em conteúdo escolar. Não que isso seja o problema, mas é que tal arranjo não se sustenta como meio para o desenvolvimento de uma educação integral para a vida, e sim para definir que professores de certas áreas de conhecimento (como história, sociologia, filosofia) possam ser substituídos e até suprimidos do sistema – como previa a última versão da chamada Reforma do Ensino Médio. Essa lógica de estruturação escolar faz entender que tratar de temas transversais, por exemplo, é algo que não exige certo tipo de reflexão, e que questões como a violência nas escolas ou o desmantelamento do ensino médio e noturno sejam irrelevantes nesse momento de reformas. Assimila-se a abordagem temática na educação, esquadrinha-se tudo o que pode ser tematizado e, consequentemente, aniquila-se a possibilidade estética da formação humana na escola. Como, ainda assim, a escola poderia ser uma experiência estética?
O elemento dialógico é constitutivo da experiência estética, e espera-se que ela ultrapasse a si mesma e promova o pensamento reflexivo. A experiência estética deve ser algo constante e que proporciona a consciência de antagonismos, sem necessariamente emitir juízos, mas contribuindo para a tomada de consciência e de decisões. Essa experiência é necessária para o processo de compreensão que se estabelece entre o sujeito e os modos de objetivação e, como possibilidade de construção de conhecimento, ela expõe uma dimensão polifônica da vida que confronta a própria sociedade.
O que me ajuda a pensar a experiência estética, de forma geral, é a música como manifestação artística e cultural na civilização ocidental. Sempre que me pergunto sobre o que a experiência estética deveria possibilitar, pergunto-me também sobre o que fizeram as instituições a respeito da música no seio social.
No que se refere à música ocidental, os Trovadores e suas baladas representaram um importante marco na música medieval e sua lírica trovadoresca era monódica, mas tornou-se polifônico sob a influência da Igreja. Na renascença, tanto a música sacra quanto a profana eram polifônicas e, nesse período algumas inovações musicais, como mudança no sistema tonal e a inclusão de dissonâncias são gradativamente inseridas nos modos musicais.
Na música barroca e dramática, o personagem canta a uma só voz, mas para o ouvido culturalmente polifônico esse canto monódico não é expressivo. Daí a necessidade de se desenvolver uma técnica de acompanhar o canto com instrumento musical, o que resulta na técnica de harmonização. Assim, a música no ocidente se desenvolve dentro da prática polifônica e harmônica.
No século XVIII, por imposição das cortes, que queriam um estilo de música muito previsível e que criasse uma sensação de plenitude e felicidade aos nobres, é desenvolvida uma técnica de harmonia baseada em três funções: tônica que é o repouso, dominante que é o ponto de tensão e a subdominante que cria sensação de continuidade. Mesmo em períodos posteriores, como o Romantismo, a música apresenta características que valorizam fortemente a subjetividade e o material para construção da música, herdado do classicismo, continua sendo a harmonia e polifonia.
Entretanto, a adoção de modelos musicais que exploravam a repetição contínua se tornou um problema, pois o esforço para se elaborar construções melódicas, sequências rítmicas e harmônicas caminhou para uma previsibilidade excessiva. E para a maioria dos críticos da música e dos estudos culturais, essa operação na música implicou em processos de alienação do sujeito.
Em um exercício de entrelaçamento de meus próprios textos, escritos neste blog durante algumas semanas, pergunto-me: O que pensar da política de regulação minuciosa dos objetos de conhecimento, presentes no mais novo documento que normatiza a educação básica brasileira? E o que pensar dos sucessivos estímulos para que todos os usuários de diferentes redes sociais exteriorizem o que pensam independente do efeito bolha criado por algoritmos? Que tipo de educação se pretende? Que diálogos estão sendo fomentados? Que democracia é essa?
Posso dizer, para finalizar provisoriamente, que no campo da estética, a construção de conhecimento pressupõe a coexistência do disperso, em sua divergência e em suas contradições. E talvez por isso, através da arte e da experiência como forma de vida, seja viável participar na sociedade, tanto objetivando quanto criticando sua própria existência.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.
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