É uma manhã cinzenta sem sol. Domingo, dia 7 de outubro do ano 2018. Estou farto, com cérebro latejando e doendo muito, de ouvir mentiras, promessas e ameaças deslavadas de políticos, feitos candidatos desavergonhados. Rindo nas nossas caras em troca dos nossos votos. O mais triste e assustador é o fato de candidatos querendo tomar o poder da presidência do Brasil pelo voto para aplicar um autogolpe e implantar uma ditadura legitimada pelo voto popular. Essa esperteza maldosa só tem vez e valor por força das montanhas de ignorância viva. Assistimos o jogo de disputar a hegemonia consentida pelo voto popular, onde os candidatos, valendo-se de propaganda subliminar na mídia televisiva, eletrônica, visual… tudo fazem para ganhar os votos. Induzir e seduzir os eleitores por esses meios é crime, é imoral.
São exatamente 8 horas da manhã. Neste instante estão sendo ligadas e ativadas as urnas eletrônicas em todo vasto e devastado território do Brasil. É dada a largada para a corrida da democracia. É dado o início da votação. Começa a bendita democracia. Mulheres, homens, jovens, velhos, ricos, pobres, patrões, operários, alfabetizados e analfabetos, caminham pelas ruas, avenidas, praças, uns chegando de carro, outros de ônibus, andam calmos, calados e tristes, acabrunhados, abatidos e descrentes, como se estivessem com o rabo entre as pernas, dirigem-se em direção às respectivas zonas (eleitorais!) e seções à procura das urnas eletrônicas.
Já no local da votação, perfilados em longas filas, com o título eleitoral nas mãos e um papel dobrado, com os números escondidos dos candidatos, aos quais doarão o seu voto, digitando no teclado da urna eletrônica. Que chique! Aqui é permitida a cola no papel, não no celular. É para acertar e validar o voto. Embora, nem todos validarão o voto. O que é ruim para a democracia
Há um conforto, um alento para os pobres: o voto é igual para todos. A igualdade aqui é real. Não é só teórica constitucional, como é para as demais situações por força das classes sociais. O voto de todo mundo vale 1. Não tem voto que vale mais, nem voto que vale menos. Voto livre, secreto e sigiloso.
O silêncio é assustador nos corredores, nas salas de votação, nos portões, nas ruas… Poucos se cumprimentam, quase ninguém fala. Aí é de se perguntar: o dia de eleições não deveria ser um dia festivo, de alegria, de muita conversa, de troca de sugestões, em diálogo livre, de nomes, de candidatos, de partidos políticos, de propostas de governo…? Não seria o dia alegre de celebração da democracia? Apesar da crise política, social, econômica, ecológica… sem limites e sem soluções que vivemos? Enfim, não seria o dia e momento para discutir a democracia que temos e a democracia que queremos, com elevada intensidade e consciência política?
De repente, vejo uma pequena roda de homens e mulheres, já longe do portão de entrada do prédio, conversando, discutindo, gesticulando… Vou me aproximando sem arrogância. E escuto:
– daí, cumpriu o dever de votar? -perguntou um homem com maldade mal disfarçada no tom de voz.
– Cumpri a obrigação. Votei com raiva e ódio. Se não fosse obrigado votar por lei, jamais votaria nesses políticos ladrões, corruptos e mentirosos. – Assim respondeu o senhor, em tom amargo.
– Eu não votei em ninguém. Nenhum político merece meu voto – respondeu o primeiro.
– Nossa! Assim vocês não ajudam a melhorar o Brasil – falou uma senhora, bem vestida e com elevada elegância.
– Eu também acho que precisamos votar, e votar nos bons candidatos. Quer dizer, nos melhores políticos de partidos comprometidos com programas sociais, econômicos, educacionais, bioecológicos… – falou um jovem, elevando o tom da conversa.
– Cuidado! Olhem lá, – alertou a moça, gesticulando com a cabeça e o olhar para o portão de entrada da escola.
Todos olharam para lá imediatamente ao mesmo tempo. Lá estava o policial bem fardado, com arma na cintura, de boné com distintivo das forças armadas na cabeça, encarando severamente as conversas da roda.
A jovem, em elevado tom pedagógico, falou: “vamos embora. Aqui é a escola e na escola não pode falar de política. É proibido falar e discutir partidos políticos e candidatos no dia das eleições”. Assim, a roda se desfez.
Às 5 horas da tarde foram desligadas as urnas eletrônicas. Encerrou-se a votação. Terminou a democracia com o lacre das urnas. Eu não esperei o resultado da democracia. Mas continuo acreditando na democracia viva, participativa, “substantiva”. Precisamos construí-la coletivamente, conscientemente, com participação de todos, durante todos dias, durante o ano todo, em todos os lugares e espaços.
Professor, pesquisador, escritor
José Kuiava é Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2012). Atualmente é professor efetivo- professor sênior da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: autobiografias.inventário da produção acadêmica., corporeidade. ética e estética, seriedade, linguagem, literatura e ciências e riso.
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