A reforma do ensino médio tem sido uma verdadeira queda de braço entre órgãos governamentais e grupos da sociedade. Trata-se de uma mudança na estrutura do sistema atual do ensino médio que propõe a flexibilização da grade curricular para, segundo texto do documento, “aproximar o ensino médio e a escola da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho”, sobretudo para permitir que cada um siga “o caminho de suas vocações e sonhos, seja para seguir os estudos no nível superior, seja para entrar no mundo do trabalho”.
No contexto do processo de industrialização, o fato de as crianças serem encaminhadas às escolas a fim de receberem formação profissional para depois serem integradas ao trabalho significou, à época, uma estratégia para a redução da pobreza. E tal processo fora apreciado por Toffler (1970, p. 393) que, ao abordar a passagem que as crianças fariam das escolas às fábricas, afirmou se tratar de um problema extremamente complexo e questionou “como preadaptar crianças a um mundo novo de trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina coletiva, a um mundo em que o tempo, em vez de regulado pelo ciclo sol-lua, seria regido pelo apito da fábrica e pelo relógio”. Para aquela situação, a solução vislumbrada estava em um sistema educacional que, “na sua própria estrutura, simulasse esse mundo novo”. Por isso, a ideia geral de reunir multidões de estudantes (matéria-prima) destinados a ser processados por professores (operários) numa escola central (fábrica), foi uma demonstração da lógica pensante industrial.
O que Toffler (1970) explicitou foi que o sistema educacional serviria, no contexto de industrialização, para alavancar o processo de desenvolvimento pelo qual a sociedade passava. Mas, ainda hoje, essa é uma questão muito controversa. A maneira como a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Reforma do Ensino Médio ainda em curso tratam a relação entre a educação e o mundo do trabalho é alvo de muitas críticas e uma delas se deve à concepção de que o ensino médio seja a etapa final da educação básica, cuja terminalidade culmina em termos de profissões técnicas. O saber pensar pode não ser profissão, mas se não for considerado no contexto da renovação permanente, não haverá profissão moderna que subsista.
Há, nas estratégias governamentais, a estratégia de afirmar que um país só pode desenvolver-se por meio da educação e, mais especificamente, em razão do professor. O fato é que, por mais que não seja totalmente aceitável, há uma associação da educação ao processo de desenvolvimento de um país, e tal posicionamento é totalmente explícito na produção de sentidos. Não se trata de questionar o porquê da escolha desta construção discursiva, mas, sabe-se que o desenvolvimento de um país não depende exclusivamente do desempenho de uma única área, tampouco da atuação de um único profissional.
Outra coisa é que desenvolvimento nem sempre é o signo que dialoga com os ideais da educação, provavelmente pela relação histórica que se faz entre desenvolvimento e sistema social capitalista, muitas vezes considerada como perniciosa e avessa aos valores humanos. Na prática, o educador é convocado a fazer de sua função um instrumento para a construção de relações humanas cuja força não seja proveniente apenas dos feixes de dominação e obediência.
TOFFLER, A. Choque do futuro. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1970.
Cristina Araújo escreve neste blog às segundas-feiras.
Professora, pesquisadora e escritora
Cristina Batista de Araújo é professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, desde 2009. Doutora em Letras e Linguística, pela Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de ensino de língua portuguesa, tendo atuado durante 14 anos na Educação Básica pública e privada e em Escola do Campo. Desenvolve pesquisas em Análise do Discurso, com ênfase em linguagem, educação e mídia. Coordena grupo de estudantes-pesquisadores em nível de graduação e pós-graduação nos seguintes temas: letramento, ensino de língua, comunicação e mídia, discurso, história e subjetivação. É autora da obra Discurso e cotidiano escolar: saberes e sujeitos.
Comentários