É muito triste estar aqui e viver este momento de exceção

Uma das principais reivindicações da população tem sido, ao longo dos últimos anos, o aumento da segurança. Acabo de retornar da Dinamarca, onde ainda há os resquícios do Estado de Bem Estar Social. Por lá a gente anda à note pelas ruas sem qualquer preocupação! Ainda, porque a globalização tende a universalizar a miséria, e a miséria leva ao desespero, e o desespero ao crime. Algo sempre me chamou atenção nas ruas da pequena Roskilde, na grande Copenhagen: as pessoas deixam na rua suas bicicletas (por lá a bicicleta é um meio de transporte generalizado e há ciclovias sem que a imprensa e o ministério público tente desativá-las como em São Paulo). Bicicletas não são baratas e giram em torno de uns 3 a 6 mil kroners, equivalente mais ou menos a 1.500 ou 3.000 reais. Pois lá dá para deixar a bicicleta na rua que ninguém a rouba.

Pois aqui havia uma insegurança quase absoluta. Ninguém sai para as ruas à noite, a não ser em grupo. Andar a pé em nossas grandes cidades é dar sorte ao azar. Era desta insegurança que fala a população quando pedia mais policiamento, mais segurança.

Pois o que tivemos como resposta foi outra insegurança: a insegurança jurídica. Desde que se instalaram no país Tribunais de Exceção, reconhecidos como tais inclusive pelos tribunais superiores que deveriam fiscalizar as ações e decisões de juízes singulares, não há qualquer segurança jurídica no país.

Teori Zavacki reconhece a ilegalidade de ações de Sérgio Moro. Este pede desculpas e tudo está resolvido. Não há penalidade a ilegalidades. Gostaria de saber se Moro aceitaria um pedido de desculpa de um doleiro qualquer que não assine acordo de delação premiada!!! Mas se um pedido de desculpas inocenta o juiz, por que não inocenta um cidadão? Porque são dois pesos e duas medidas.

Num país onde os tribunais superiores têm medo – estou falando em medo mesmo, não é engano – de um juiz de primeira instância associado à mídia, a insegurança do funcionamento da justiça torna-se visível a olho nu!

E ela se espalha. Uma pequena nota publicada na Coluna do Estadão (espécie de cópia da FSP que fez o jornal da ultradireita brasileira), dá conta de que um dos membros do TCU afirmou (está entre aspas, logo deve ser discurso direto(): “Ele [Guido Mantega] pode até estar certo, mas só de ter sido preso pelo juiz Sérgio Moro está errado”.

Isto significa que um sujeito pode estar certo (dizer pode não é dizer está certo), mas se o juiz Sérgio Moro quer que ele esteja errado, ele passa a estar errado. E notem: o TCU não é um tribunal do sistema judiciário, mas um tribunal de controle do Executivo. Ou seja, a insegurança se espraia por todos os órgãos e a perseguição pode instalar-se a qualquer momento contra qualquer um. Que o diga o ministro Dias Toffoli, acólito de Gilmar Mendes!!! Se uma autoridade tomar uma decisão que não agrade alguém da força-tarefa da Lava Jato, está perdida. Vai para a capa de execrável revista semanal, como denunciado.

Não sou pelo encerramento da Lava Jato. Há que combater a corrupção. Mas toda decisão arbitrária, autoritária e o conjunto de ações ilegais praticadas devem ser corrigidas em qualquer lugar. Assim como ela quer a correção da política combatendo a corrupção, não pode ela mesma se corromper com seletividade na investigação, definição prévia do criminoso para depois correr atrás do crime, divulgação de informações sigilosas, escutas telefônicas ilegais, etc. etc.

Tal como as coisas correm hoje neste país, a insegurança é total e em todos os campos! O cidadão não pode recorrer à polícia que pode ainda levar uma bordoada; não pode recorrer à justiça pois esta está somente preocupada com “aquilo” que todos sabemos o que é; não pode contar com órgãos de controle do executivo, porque mostrou o TCU que não tem coluna vertebral própria e somente fica em pé com âncoras fornecidas por Sérgio Moro.

Não se creia, no entanto, que se trata de uma concentração de poder nas mãos de um homem só!!! Ele está muito bem ancorado – suas viagens constantes para receber instruções da matriz o confirmam. A elite o endeusa. A classe média que se pensa elite porque tem algum dinheiro e algum poder de compra o venera. Logo, com a força dos meios massivos de comunicação, a classe baixa o tornará o salvador da pátria, um pai para os pobres… e o elegerá presidente achando que sua força extrema é própria, advém de suas próprias qualidades, de suas convicções, de seu estudo do direito. Não, a super força de Moro vem de onde emana o poder – da elite econômica, esteja ela onde estiver e da perplexidade e espanto de todos nós!  

E olhem bem que defendo que todos os que “cometeram maus feitos”, como dizia uma presidenta eleita e recém defenestrada do poder por um golpe, devem pagar pelo que fizeram, sejam eles do partido que forem (até do PSDB, o lugar dos “homens honrados”).

Por fim, é muito triste estar aqui e viver este momento brasileiro.

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.