Domingo: um poema de Herberto Herder

O POEMA

Um poema cresce inseguramente

na confusão da carne.

Sobre ainda sem palavras, só ferocidade e gosto.

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.

 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

as raízes minúsculas do sol. 

Fora, os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

rios, a grande paz exterior das coisas,

folhas dormindo o silência 

– a hora teatral da posse.

 

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

 

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as casas deitadas nas noites

e as luzes e as trevas em volta da mesa

e a força sustida das coisas

e a redonda e livre harmonia do mundo.

– em baixo o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério.

 

– E o poema faz-se contra a carne e o tempo.

 

(Herberto Herder. Toda Poesia. Lisboa : Assírio & Alvim, 1990)

 

 

 

 

 

 

 

 

João Wanderley Geraldi é reconhecido pesquisador da linguística brasileira e formou gerações de professores em nosso país. Há já alguns anos iniciou esta carreira de cronista-blogueiro e foi juntando mais leitores e colaboradores. O nome de seu blog vem de sua obra mais importante, Portos de Passagem, um verdadeiro marco em nossa Educação, ao lado de O texto na sala de aula, A aula como acontecimento, entre outros. Como pesquisador, é um dos mais reconhecidos intérpretes e divulgadores da Obra de Mikhail Bakhtin no Brasil, tendo publicado inúmeros livros e artigos sobre a teoria do autor russo.